Aumento da desigualdade no mundo, crise ambiental e construção de alternativas solidárias para a economia estiveram na pauta do encontro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o papa Francisco, que ocorreu nesta quinta-feira (13), no Vaticano.
Em entrevista coletiva após a conversa com o papa, Lula destacou o encontro convocado pelo religioso argentino para discutir com jovens até 35 anos alternativas para criação de uma nova economia mundial.
“É uma decisão alentadora do papa e toca em um assunto vital para o futuro dos trabalhadores do mundo inteiro”, apontou. A atividade ocorrerá em Assis, na Itália, de 26 a 28 de março.
Segundo Lula, Francisco quer deixar um legado “irreversível” para o mundo.
“Nessa idade dele, 84 anos, ele quer fazer coisas que sejam irreversíveis, coisas que fiquem para sempre no seio da sociedade”, relatou. Para o ex-presidente, esse propósito, de impulsionar a juventude a discutir os problemas econômicos do mundo, deve inspirar o movimento sindical, outras igrejas e partidos do mundo inteiro.
A conversa, diz Lula, abordou também a questão dos direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo do século 20, mas “que estão sendo derrubados pela ganância dos interesses empresariais e dos interesses financeiros”.
“Todo mundo sabe o que aconteceu no mundo depois da crise de 2008 e da queda da Bolsa de Nova Iorque. Eu participei de muitas reuniões no G20, desde as primeiros em Washington a última em Cingapura. Todas as decisões que nós tomávamos eram para que não houvesse prejuízo para os trabalhadores, para que não houvesse protecionismo, para que a gente pensasse em desenvolver os países mais pobres, nada disso aconteceu.”
Meio ambiente
Ao discutir a questão ambiental como prioridade, papa Francisco e Lula apontaram a necessidade de produzir meios de energia limpa. “O Brasil é um país que tem um privilégio porque nós temos 80% da matriz energética limpa. O Brasil tem muita energia renovável. O Brasil ainda pode produzir muita energia. E o mundo inteiro pode, seja eólica, seja fotovoltaica, seja solar”, pontuou.
“Nós estamos percebendo que há uma má vontade, apesar dos discursos, dos governantes em se preocuparem com a questão ambiental. Eu só queria lembrar vocês que muita gente deseja romper com Protocolo de Kyoto”, avaliou.
Leia na íntegra:
Minha vinda à Itália teve como objetivo principal discutir com o papa Francisco a questão da desigualdade e a questão da sua luta e da sua defesa de uma boa política ambiental. Todos sabem que o mundo está ficando mais desigual. Todo mundo sabe que, na grande maioria dos países do mundo, os trabalhadores estão perdendo direitos. Todo mundo sabe que muitas das conquistas que nós tivemos no século 20 estão sendo derrubadas pela ganância dos interesses empresariais e dos interesses financeiros. Todo mundo sabe o que aconteceu no mundo depois da crise de 2008 e da queda da bolsa de Nova Iorque.
Eu participei de muitas reuniões no G20, desde as primeiros em Washington a última em Cingapura. Todas as decisões que nós tomávamos eram para que não houvesse prejuízo para os trabalhadores, para que não houvesse protecionismo, para que a gente pensasse em desenvolver os países mais pobres, nada disso aconteceu. O que aconteceu é que sistema financeiro saiu mais forte, o que aconteceu é que a economia mundial está financeirizada. Hoje, ganha-se dinheiro vendendo papel, vendendo facilidade em vez de ganhar dinheiro produzindo um produto qualquer e gerando emprego.
Quando o papa Francisco toma a atitude de fazer um encontro em Assis para discutir desigualdade e chama milhares de jovens para debater uma nova economia no mundo, é uma decisão alentadora do papa e toca em um assunto vital para o futuro dos trabalhadores do mundo inteiro.
Eu acho que é uma decisão alentadora do Papa que toca em um assunto vital para o futuro dos governantes do mundo inteiro. Ou seja, quem é que vai oferecer trabalho para os trabalhadores, quem é que vai pagar salário dos trabalhadores, quem é que vai cuidar das pessoas pobres que nem oportunidade de ter um emprego tem?
Acho que os jovens economistas que vão discutir. Uma frase que eu ouvi do Papa, muito alentadora, é que na idade dele, 84 anos, ele quer fazer coisas que sejam irreversíveis, coisas que fiquem para sempre no seio da sociedade. E alimentar a juventude a discutir os problemas econômicos do mundo, eu acho que é uma necessidade, acho que isso deve servir de exemplo para movimento sindical, para outros igrejas, para os partidos do mundo inteiro.
Esse é um assunto que muito me interessa, porque nos discursos que eu fiz o ano passado no Congresso do PT, eu disse que a desigualdade deveria ser um tema prioritário do meu partido para o próximo período.
A segunda coisa é a questão ambiental. Nós estamos percebendo que há uma má vontade, apesar dos discursos, dos governantes em se preocuparem com a questão ambiental. Eu só queria lembrar vocês que muita gente deseja romper com Protocolo de Kyoto.
Eu lembro que o último encontro que eu participei que foi a COP 15, em Copenhague. O que os países europeus e os Estados Unidos queriam era jogar a culpa da poluição em cima dos chineses. Eu dizia que antes de culpar os chineses pela poluição mundial é preciso saber quem vai pagar a poluição histórica do planeta terra, porque tem país que se desenvolveu há 200 anos, e que já polui há muito tempo, que não pode querer jogar a culpa para outro país.
É preciso que haja a responsabilidade de todos e eu sentia naquela ocasião que já não queriam cumprir o Protocolo de Kyoto, que já estavam cansados de cumprir o Protocolo de Kyoto.
Muito se fala de uma energia alternativa, muito se fala no degelo do Pólo Norte e pouco é feito.
Eu lembro que eu ainda era presidente da República quando, aqui na Europa, se decidiu que até 2020 você teria que reverter 10% de etanol em combustíveis na Europa inteira. Isso saiu na verdade das prioridades. Enquanto a gasolina for barata, enquanto o petróleo for barato há interesse em mudar a matriz energética na maioria dos países.
Nós estamos percebendo que é preciso levar muito a sério novos modelos de produção de energia. O Brasil é um país que tem um privilégio porque nós temos 80% da matriz energética limpa. O Brasil tem muita energia renovável. O Brasil ainda pode produzir muita energia. E o mundo inteiro pode, seja eólica, seja fotovoltaica, seja solar...
A questão ambiental é prioritária pra gente. Se a gente não cuidar da preservação do planeta, é preciso lembrar que um dos principais animais atualmente em extinção são seres humanos pobres. Não existe nenhuma preocupação em cuidar deles.
Fiquei muito satisfeito com o encontro com o Papa Francisco. Acho que se todo ser humano, ao atingir 84 anos, tiver a força, a disposição e a garra que ele tem em levantar temas, eu diria instigantes, para o debate, a gente pode encontrar soluções mais fáceis.
Eu acho que tem dois setores da sociedade que têm que brigar: nós -- os que já têm mais de 70 anos, que somos considerados aposentados e velhos --, e os jovens, que na verdade têm muito o que lutar para garantir o seu espaço e o seu futuro no planeta Terra.
É por isso que vim pra cá. Saio daqui hoje satisfeito. Não poderia sair daqui sem ver as três centrais sindicais que me instigaram desde os anos 1970 no movimento sindical brasileiro. Eu aprendi muito com o sindicalismo italiano. Foi daqui que eu tirei muitas das lições que coloquei em prática no Brasil.
Foi aqui que eu aprendi com o movimento sindical o meu modo de contestação feito, seja pelos jornais ou pelos governos. Regressarei para o Brasil com a expectativa de que eu esteja com a mesma disposição do Papa Francisco para brigar por um mundo melhor.
Edição: Rodrigo Chagas