Os resultados da destruição da Floresta Amazônica extrapolam os limites geográficos das localidades atingidas diretamente e podem causar impactos negativos em todo o planeta. Essa é avaliação do professor e pesquisador Wagner Costa Ribeiro, do curso de Geografia da Universidade de São Paulo (USP). Ele concedeu entrevista ao Brasil de Fato, nesta quarta-feira (28).
De acordo com Ribeiro, os impactos das queimadas que atingem a maior floresta tropical do mundo podem ser compreendidos em três níveis: local, nacional e global.
Na escala local, o pesquisador ressalta o empobrecimento do solo, que pode levar a um crescimento ainda maior das áreas desmatadas.
“Nós sabemos que o solo amazônico é muito pobre, então, se você tira a cobertura vegetal, ele não tem capacidade de regeneração. Com isso, ele pode permitir uma ou outra safra, e esse é um dos fatores que leva sempre à expansão. Se introduz o gado, depois a soja, o e solo começa a ficar pobre em nutrientes, aí você tem que entrar com os agrotóxicos ou então acaba ocorrendo mais desmatamento para manter a produção”, explica.
A perda da biodiversidade como consequência da destruição da floresta, por sua vez, interfere na dinâmica atmosférica. A escuridão que tomou conta de cidades do estado de São Paulo no meio da tarde do dia 19 de agosto é um exemplo prático de como acontece essa interferência.
“Esse lamentável episódio trouxe claramente a possibilidade de visualizar que há uma dinâmica atmosférica. Nesse caso, veio a fuligem e a fumaça, mas também pode vir em forma de chuva. Há uma série de elementos que são gerados na floresta e que chega às regiões Sul e Sudeste. Esses serviços ambientais que a Amazônia fornece, que viabilizam, de certo modo, a agricultura, são muito afetados com as queimadas”, pontua o pesquisador.
O outro ponto destacado por Wagner Ribeiro é o impacto em escala global. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a Amazônia não é o “pulmão do mundo”, uma vez que a maior parte do oxigênio produzido pela floresta é absorvido por ela mesma.
Mas, como destaca o professor, as árvores têm um papel fundamental na regulação do clima global, uma vez que elas funcionam como um grande estoque de carbono (CO2).
“Quando você tem a derrubada de vastas áreas, esse volume de CO2 que estava estocado nas árvores é jogado na atmosfera, e isso faz com que a gente tenha mais um vetor para agravar o aquecimento global, já que o CO2 é um dos gases do efeito estufa.”
Queimadas não são naturais
Durante a entrevista, Wagner Ribeiro também afirmou que as queimadas na Amazônia não são naturais e tratam-se de uma questão política.
Ele elencou uma série de ações, que associadas ao discurso do presidente Jair Bolsonaro, contribuíram para o cenário visto atualmente. Entre elas, o desmonte de instrumentos de fiscalização e a desqualificação de dados sobre desmatamento divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
"Não teve nada de natural nesses incêndios. Ainda que tivesse surgido um foco, não seria da dimensão que acabou ocorrendo. Isso mostra que, de certa maneira, parte da população, especialmente as camadas mais abastadas que têm na terra fonte de riqueza, acabou sendo estimulada a atear fogo na floresta, e as consequências a gente está verificando agora", acrescenta.
A ajuda proposta pelos países integrantes do G7, bloco liderado pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que reúne as maiores economias do mundo, também foi abordada pelo pesquisador. De acordo com ele, a cooperação é bem-vinda e, nesse caso, deve ser distinguida de ingerência internacional.
“Esse alerta [de que a Amazônia tem interesse internacional] está posto, e não é de hoje. Nesse aspecto, é preciso distinguir o tipo de cooperação com ingerência. A cooperação é muito importante, mas é evidente que a gestão da Amazônia deve ser feita pelos países Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).”
A OTCA é uma instituição intergovernamental composta por oito países-membros: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Segundo Ribeiro, atualmente o grupo está fragilizado.
“A instituição não tem um corpo técnico e vive de episódios e recursos internacionais. É preciso qualificar a OTCA para que os países possam articular um pacto de proteção e desenvolvimento da Amazônia, que mantenha a floresta em pé”, finaliza.
Confira aqui a entrevista na íntegra
Edição: Rodrigo Chagas