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Bolsonaro e o bolsonarismo colocam fogo na Amazônia

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Desde antes de eleito, Bolsonaro apresentava pautas antiambientais
Desde antes de eleito, Bolsonaro apresentava pautas antiambientais - Foto: Sergio Lima/AFP
A eleição do “mito” já simbolizou que as motosserras podiam ser ligadas

Não podemos dizer que fomos tomados de surpresa. Todos sabíamos que Jair Bolsonaro (PSL), se eleito, buscaria alterações nas leis ambientais e a flexibilização do setor, facilitando os processos de licenciamentos.

A briga pela permanência do Ministério do Meio Ambiente (MMA) na estrutura de um governo que desejava extingui-lo desde o primeiro momento foi concebida como parte de um pensamento ingênuo de que faria alguma diferença.

Não é a estrutura, mas a política que importa!

E a política do governo Bolsonaro é antiambiental, defensora do agronegócio predatório, de um pensamento que elimina fisicamente líderes rurais e das florestas, de Chico Mendes e Dorothy Stang a Dilma Silva.

Essa política, “com MMA com tudo”, precisava limpar a estrutura, eliminando quem se preocupasse com “questiúnculas” como preservação de biomas e povos originários, ribeirinhos e quilombolas. É preciso garantir o lucro, e o lucro vem com pasto, soja e mineração.

A política de higienização começou a todo vapor. Já em fevereiro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, exonerou 21 dos 27 superintendentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) -- algo inédito nos 30 anos de existência do órgão -- e anunciou um “núcleo de conciliação ambiental”, que foi criado formalmente em agosto pela Portaria do MMA/ICMBio nº 01, para revisar as multas aplicadas pelo órgão que, a propósito, caíram 29% entre janeiro e agosto de 2019.

O contingenciamento feito pelo governo em março atingiu diretamente os programas de fiscalização e combate a incêndios florestais que perderam respectivamente 38% e 24% de seu orçamento com o corte de R$ 187 milhões no MMA, que foi posteriormente ampliado em maio para R$ 244 milhões.

A guilhotina foi se impondo nos estados. A Superintendência do Ibama no Rio de Janeiro exonerou o chefe de operações aéreas do órgão, José Olímpio Augusto Morelli, que havia aplicado a multa em Bolsonaro por pesca ilegal em Angra dos Reis (RJ).

E, finalmente, no dia 15 de abril, o então presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Adalberto Eberhard, pediu demissão após o ministro ter ameaçado os agentes do órgão publicamente, em evento no Rio Grande do Sul com ruralistas, em que ambos estavam presentes. Em seguida, todo o comando do ICMBio foi substituído por militares.

Em paralelo, Ricardo Salles passou a investir contra o Fundo Amazônia, a quem acusava de ser usado por ONGs e de irregularidades sem quaisquer provas. Chegou a afirmar na imprensa que o fundo, criado em 2008 para receber doações destinadas a ações de conservação e combate ao desmatamento na floresta, deveria ser utilizado para indenizar produtores rurais.

Em consequência, Noruega e Alemanha, países financiadores do fundo, cortaram os repasses de verbas e ameaçaram cessar a iniciativa, caso a governança, feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), não seja continuada neste governo.

A composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) foi alterada, diminuindo a participação de organizações que não compõem o governo federal.

Um servidor do Parque Nacional de Fernando de Noronha foi arbitrariamente transferido, ato sustado temporariamente por uma liminar na Justiça. Por derradeiro, a exoneração do então diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, no começo do mês de agosto, justamente em decorrência da divulgação do aumento do desmatamento, coroou a sequência de perseguições para implantar a política antiambiental.

Os dados são inevitavelmente alarmantes. O aumento do desmatamento é assustador. O Deter -- sistema do Inpe de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia -- registrou em junho aumento de 90% no desmatamento, na comparação com o mesmo mês de 2018. Em julho, a mesma comparação revelou disparada de 278%. 

A eleição do “mito”, em outubro de 2018, já simbolizou que as motosserras podiam ser ligadas e as armas carregadas. Desde janeiro com sua posse, as tochas foram acesas.

O bolsonarismo botou fogo na Amazônia, literalmente falando. Fazendeiros, grileiros e comerciantes do entorno da BR-163 elegeram o 10 de agosto como o “dia do fogo” e queimaram áreas de pasto e em processo de desmatamento.

Segundo afirmaram em jornal de circulação local, sentem-se respaldados e desejavam mostrar ao presidente do Brasil “que querem trabalhar e o único jeito é derrubando, e para formar e limpar nossas pastagens é com fogo”.

A disputa verbal completamente desprovida de razão que Jair Bolsonaro trava com o presidente francês, Emmanuel Macron, um comportamento disparatado e birrento, chegando a condicionar a aceitação de verbas para ajudar a Amazônia a um “pedido de desculpas”, mostra que se o fogo do bolsonarismo é capaz de destruir a maior floresta tropical do mundo, Bolsonaro está perfeitamente habilitado para aniquilar também as relações internacionais do Brasil.

*Tania de Olveira é advogada, historiadora e pesquisadora. Membra do Grupo Candango de Criminologia da UnB - GCcrim/Unb e da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

Edição: Vivian Fernandes