Maior bioma brasileiro, presente em oito estados, a Amazônia e seus povos têm sentido os impactos negativos da política ambiental proposta pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL). “Repetindo um modelo histórico de desenvolvimento da região, sempre pensado de fora da Amazônia para dentro dela, esse modelo não respeita os modos de vida”, é o que alerta Pedro Martins, advogado popular e membro da Terra de Direitos, organização que atua em situações de conflitos por terra no país.
Dados do Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) revelam que o desmatamento na região amazônica aumentou 54% em janeiro deste ano, na comparação com o mesmo mês de 2018.
Segundo Martins, a atividade mineradora, a expansão do agronegócio e os grandes empreendimentos — como ferrovias e hidrelétricas — estão entre os principais fatores de risco que violam os direitos dos povos amazônicos atualmente.
A importância da preservação deste bioma e dos direitos de seus povos é um dos temas principais articulados no Seminário Terra e Território: Diversidade e Lutas, que acontece entre os dias 6 e 8 de junho na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP). A Terra de Direitos é uma dentre as mais de 50 organizações presentes.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Como os povos da Amazônia têm compreendido o novo momento político com o governo Bolsonaro, que propõe uma flexibilização de leis ambientais?
Pedro Martins: Os povos da Amazônia estão apreensivos com a atual conjuntura. Nós temos uma série de medidas já anunciadas pelo governo federal que atacam diretamente esses povos, seja nas terras indígenas, comunidades quilombolas, nos territórios ribeirinhos, nos inúmeros projetos de assentamento que existem também na região e beneficiam trabalhadores e trabalhadoras rurais e agricultores familiares.
As ameaças e ataques vêm na forma de flexibilização da proteção dos territórios e no aumento do número de grandes empreendimentos que marcam a história da Amazônia pela violação de direitos humanos. Também há, de maneira geral no Brasil, a diminuição das políticas públicas sociais, que tentaram garantir o mínimo de condições e permanência desses povos em seus territórios.
Sobre os grandes empreendimentos, o governo já disse publicamente que retomaria o projeto da ferrovia Ferrogrão (EF-170) e anunciou a intenção de desenvolver o projeto apelidado de Barão do Rio Branco, para construção de uma nova hidrelétrica no Pará. O que eles representam?
Repetindo um modelo histórico de desenvolvimento da região, sempre pensado de cima para baixo e também de fora da Amazônia para dentro dela, esse modelo não respeita os modos de vida.
A Ferrogrão é uma ferrovia que ligaria o norte do estado do Mato Grosso até o município de Itaituba, na porção média do Rio Tapajós, para viabilização do escoamento dos grãos dos produtores do Mato Grosso, para abastecer o mercado chinês e o europeu. Ela vem com esse planejamento sem respeitar o que seria uma possibilidade de desenvolvimento sustentável para essa região.
Na parte da Calha Norte, também no Pará, está sendo pensado o projeto Barão do Rio Branco, que envolve um conjunto de equipamentos de infraestrutura e logística, desde pontes, rodovias, hidrelétricas e portos para fazer essa ligação com o mercado internacional dentro da proposta de integração regional latino-americana.
As propostas, porém, não estão combinadas com os direitos das comunidades e dos povos e, provavelmente, ameaçam também a agricultura familiar na região. São projetos das grandes empresas associadas à burguesia nacional e que têm o apoio do governo federal. Mesmo ainda em uma fase de planejamento, as comunidades já se sentem ameaçadas.
Um estudo da Rede Amazônica de Informação Ambiental Georreferenciada mostrou que a atividade de mineração é uma das principais ameaças para as áreas de proteção ambiental e territórios indígenas da Amazônia no Brasil. O que essa atividade representa?
A mineração tem se colocado como a maneira mais devastadora de exploração dos recursos naturais da Amazônia. Se formos pegar o caso da mineração da Alcoa [empresa mineradora], que está em atividade há anos no município de Juruti, oeste do Pará, ela se instalou em uma área que afetou um assentamento de comunidades tradicionais, que hoje, apesar de terem uma negociação com a empresa, se veem violadas e têm seus territórios e seus lugares de memória sendo apagados. Eles só apresentam danos, impactos, e sempre tentam minimizar com um discurso de responsabilidade social da empresa.
Como a “nova Lei Ambiental”, Lei 13.465/17, tem afetado a Amazônia brasileira nestes dois anos de sua implementação?
As ameaças já foram concretizadas com um enorme número de contratos de concessão de uso feitos pela superintendências do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] na região amazônica em projetos de assentamento coletivo. Isso mostra que partimos para uma fragilização dos territórios coletivos e de instrumentos de reconhecimento das comunidades tradicionais.
A nova Lei Fundiária marca um período que tenta encerrar o reconhecimento dos territórios coletivos para partir para uma individualização, seguida de uma explosão do número de titulações que só vão viabilizar o mercado de terras e tem como objetivo final o projeto da monocultura da soja.
A aplicação e implementação da Lei 13.465, de 2017, já está com impactos concretizados, e está associada ao setor do agronegócio e ao setor da mineração.
Recentemente, políticos ruralistas criaram uma Frente Parlamentar em Defesa da Amazônia. O que ela representa?
A frente parlamentar vem no sentido de pensar a financeirização da Amazônia, a forma de como vendê-la para o mercado internacional das mais diversas formas que se pode vender uma região. Não é uma alternativa, pelo contrário. Ela só vem consolidar uma estratégia muito específica para o bioma amazônico.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira