O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), do atual primeiro-ministro, Pedro Sánchez, venceu as eleições para o Parlamento da Espanha que ocorreram neste domingo (28). No entanto, o partido terá que se alinhar a outras siglas para ter a maioria necessária para seguir no poder.
Ao todo, o PSOE conquistou 123 dos 350 assentos da Câmara, 38 a mais do que nas eleições de 2016. Em segundo lugar, ficou o conservador Partido Popular (PP), que amargou 66 cadeiras, muito abaixo das 137 que teve no pleito anterior. Atrás ficaram o partido de direita Ciudadanos (57 lugares), a coligação de esquerda Unidas Podemos (42) e Vox (24), sigla nacionalista de extrema direita que fará parte do Parlamento pela primeira vez.
O partido governista irá se alinhar ao Unidas Podemos. Juntos, eles terão 165 deputados. O número é menor que os 176 que precisa para garantir a maioria. Por conta disso, a coalizão de esquerda precisará do apoio de partidos menores, inclusive de siglas independentistas catalães.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Breno Bringel, afirmou que, embora o PSOE tenha vencido o pleito, terá que passar por um estado de tensão permanente.
Confira na íntegra:
Brasil de Fato: O PSOE conseguiu a maior parte dos assentos do Parlamento espanhol, mas ainda deverá fazer novas alianças para seguir no poder. Já se pode considerar que o PSOE continuará à frente do país ou o partido ainda pode encontrar dificuldades para formar um governo?
Breno Bringel: O resultado das eleições deixa claro que o PSOE vai governar. Essa é uma vitória bastante contundente, com 123 deputados, 38 a mais que em 2016, ficando muito à frente dos demais partidos. A liderança do processo de investidura parlamentar é deles. O que nós não sabemos ainda é como vai acontecer. Essa é a questão que está em aberto.
O partido esperava conseguir maioria sem contar com os independentistas catalães. Por que o PSOE quer esse afastamento?
Toda a política espanhola foi muito atravessada pelo conflito catalão. A postura da direita nacionalista é totalmente anti-independentista. Já o PSOE ficou em cima do muro, em uma posição de oferecer diálogo, mas não um apoio explícito à independência. O argumento é o de que é necessário zelar pela Constituição, mas o fato é que não existe nenhuma aliança estratégica possível entre o PSOE e os nacionalistas catalães. Eles apoiaram, por exemplo, a moção de censura que permitiu que o PSOE fosse ao governo. Mas também foram esses os partidos que não aprovaram o orçamento de Pedro Sánchez, o que gerou a antecipação das eleições. A relação entre eles é muito tensa.
Tudo pode acontecer ainda. Por exemplo, pode haver um apoio tácito só para uma investidura do PSOE. Isso não significa fazer uma coalizão de governo, mas simplesmente dar apoio para que a posse de Sánchez seja garantida. No sistema parlamentarista este é um requisito obrigatório. Haverá uma tensão permanente no governo. Pela direita, vão usar o argumento da Catalunha contra ele. Já os independentistas vão pressionar para que existam mecanismos de reconhecimento da autodeterminação catalã.
O PSOE governa desde a moção de censura contra Mariano Rajoy (PP), que ocorreu em junho de 2018. Na prática, o resultado das eleições deste domingo alteram a correlação de forças na Espanha ou se trata somente da continuidade do PSOE no poder?
O cenário é um pouco diferente ao de um ano -- quando houve a moção de censura --, e também ao que havia nas eleições de 2016. Existem duas leituras possíveis. Uma delas é a de que a nova direita da Espanha saiu fortalecida. Ela foi derrotada eleitoralmente, mas cresceu muito. Tivemos o surgimento do Vox como uma grande novidade. Eles esperavam mais votos do que tiveram, mas ganharam muito. Conquistaram mais de 10% dos votos nas primeiras eleições mobilizando ódio, mobilizando uma crítica muito forte à direita tradicional do PP. Além disso, tem um papel bastante decisivo na crítica ao independentismo catalão.
Também é importante o fortalecimento do Ciudadanos, que cresceu bastante desde as últimas eleições -- um partido autodefinido como liberal, mas que em muitas de suas políticas se alinha ao Vox, de extrema direita. Eles ganharam boa parte dos votos que tradicionalmente iam para o PP, e foram se consolidando como uma importante força conservadora. O partido teve 32% a mais de votos do que nas últimas eleições. São 57 deputados, 25 a mais do que eles tinham.
Em segundo lugar, ficou claro nessas eleições que após décadas de um bipartidarismo muito rígido -- já que havia quase uma troca entre o PSOE e o PP --, se consolidou na Espanha um multipartidarismo que é inédito desde a transição. Nesse novo cenário, essas coalizões, que são típicas do parlamentarismo, tornam-se inevitáveis. Antes isso não acontecia. O Partido Popular e o Partido Socialista conseguiam governar quase sempre com maioria absoluta. Então, essa é uma novidade importante. Nós temos seis forças políticas importantes, com peso político. Três à direita e três à esquerda, além de partidos menores que podem ser decisivos na formação dessas coalizões.
A que se deve o fim desse bipartidarismo na Espanha?
Um dos elementos principais foi o surgimento do Podemos. Houve um processo que começa com as manifestações de 15 de maio (15-M) de 2011, que ficou conhecida como a mobilização dos indignados, mas que no fundo foi uma profunda movimentação de vários setores da sociedade espanhola contra os efeitos da crise econômica e do desgaste da política tradicional, que era muitas vezes associada tanto ao PP quanto ao PSOE.
Esse descontentamento social permitiu, em 2014, o surgimento do Podemos. O partido cresceu em uma velocidade muito grande, fazendo uma boa leitura deste momento histórico. E, apesar da crise, o Podemos, junto com as mobilizações que ocorreram na Espanha, teve o papel de colocar um fim a esse bipartidarismo. Os nacionalismos também saíram fortalecidos, sendo decisivos para a formação de coalizões políticas mais amplas. Tudo isso levou a um reposicionamento dos atores tradicionais.
O fim do bipartidarismo não tem uma causa única, mas eu localizo o seu começo nas mobilizações dos indignados, com o 15-M, e o descontentamento social com a política tradicional. A partir daí houve o surgimento de novos atores políticos, como o Podemos, o Ciudadanos e o próprio Vox.
O PP começou a perder força desde as eleições gerais de 2015. Agora, conquistaram apenas 66 assentos, muito distante dos 186 de 2011 e dos 137 obtidos em 2016. O PP foi o principal derrotado destas eleições?
O Partido Popular foi certamente o principal derrotado das eleições, e é paradoxal dizer isso, porque eles ficaram em segundo lugar em votos. O partido tinha 137 deputados e passou a ter 66. Perdeu 71 deputados. Foi uma derrota monumental. Uma derrota histórica. Nunca um partido político na democracia espanhola havia perdido tanto em uma eleição. E não perdeu só eleitoralmente, como tem perdido socialmente sua base política.
A irrupção do Ciudadanos e do Vox fez com que parte do eleitorado mais moderado do PP migrasse para o Ciudadanos. Já boa parte do voto mais extremista, da direita mais radical, foi para o Vox. O que aconteceu na Espanha foi uma fragmentação da direita. Isso fez com que essas duas forças crescessem bastante nessas eleições. Estão crescendo muito também em termos de mobilização social e política.
Devemos esperar resultados semelhantes aos de domingo nas eleições municipais?
Todo mundo está analisando o resultado das eleições da Espanha com certo otimismo. É algo para se celebrar, porque a Espanha soma-se a Portugal para criar uma espécie de força de contenção aos movimentos de direita e de extrema direita na península ibérica. Mas acho que nós não podemos cantar vitória antes da hora. Nós não podemos analisar as eleições de ontem (28) sem ficarmos muito atentos para o que vai acontecer no dia 26 de maio, quando acontecem as eleições municipais, as eleições em regiões autônomas, e as eleições europeias.
Essas disputas são muito decisivas para a configuração dos governos locais e estaduais. Vão ser eleitas as prefeituras, os governos das comunidades autônomas e os representantes europeus. As eleições vão ocorrer em todos os estados, menos em Andaluzia, onde já houve eleições com a vitória e um pacto das três direitas (Partido Popular, Ciudadanos e Vox). Também vão acontecer eleições em Catalunha, Galícia e País Basco. É muito possível que Madri seja governada pela direita, inclusive com a extrema direita governando. Segundo uma pesquisa, PP, Vox e Ciudadanos somam mais de 50% em Madri.
Uma série de cidades importantes estão sendo governadas hoje por confluências de esquerda que são frutos das mobilizações de 2011. O Podemos participa de algumas delas, mas também outras forças de esquerda. Todas essas forças políticas estarão em disputa nas eleições de 26 de maio, que serão uma prova muito importante para o futuro da esquerda na Espanha.
Edição: Aline Carrijo