Bom para a economia, péssimo para a saúde humana e o meio-ambiente. Junto viria o comprometimento da qualidade do ar e da água, a destruição da natureza, a extinção de espécimes raros da fauna e da flora e a inviabilidade da agricultura orgânica do entorno composto por 34 municípios que somam 4,3 milhões de habitantes.
É o que acontecerá se a população não reagir e o projeto vingar, segundo prevê o biólogo Paulo Brack, coordenador do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá). “Teríamos a contaminação química por metais pesados tóxicos (zinco, cobre, mercúrio, chumbo, cádmio, entre outros) além da turbidez maior dos cursos de água e particulados (poeira de minério de carvão) que afeta flora, fauna e saúde humana”, acentua.
Fundado em 1999 por um grupo de biólogos para lutar pela biodiversidade, o InGá é a principal sigla envolvida na denúncia e no combate à abertura da mina em Charqueadas, distante 20 quilômetros do centro da capital gaúcha.
Do outro lado, está a Copelmi Mineração, hoje o maior grupo privado na exploração do carvão no país. Que planeja operar a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil, entre os municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul. A princípio, os chineses do Zhejiang Energy integrariam a parceria, o que a Copelmi nega. Em nota, informa “que não tem nenhum sócio para a produção da Mina Guaíba”.
Mil empregos diretos
Na projeção da Copelmi, a nova planta gerará mil empregos diretos e cinco mil indiretos. Pela produção do minério, segundo a empresa, a União receberá, entre diversos tributos, cerca de R$ 140 milhões/ano. Calcula, ainda, que os dois municípios-sede, apenas com a mina, arrecadarão em Imposto Sobre Serviços (ISS) o equivalente a tudo que hoje arrecadam. O investimento, em termos de proteção ambiental, seria de R$ 60 milhões, direcionado para gerenciar efluentes, monitorar ar e água, realizar compensação florestal e outras medidas. E prevê aplicar R$ 14 milhões/ano em manutenção e ampliação destes programas.
“Uma mina à cerca de 15 a 20 km de Porto Alegre é algo impensável”, insiste Brack. Mas seria apenas o começo. Em um segundo momento, termelétricas e indústrias formariam um polo carboquímico em volta da mina para usar o carvão. O que resultaria, observa Brack, em poluição ainda maior. Outro ambientalista, Fernando Campos, do Amigos da Terra Brasil, ataca as “falsas promessas de geração de emprego” e o argumento de que se trata de um projeto de extração de carvão sustentável e de baixo impacto, “quando na verdade representa uma ameaça eminente de poluição do ar e da água, já que prevê uma mina a céu aberto às margens do rio Jacuí”.
Projeto prevê remoção do segundo maior assentamento produtor de arroz orgânico do estado
No caminho da Mina Guaíba está o assentamento Apolônio de Carvalho, a segunda maior unidade produtora de arroz orgânico do estado depois de Viamão. São 72 famílias de agricultores, 700 hectares de cultivo de arroz, além da produção de hortaliças. O projeto prevê a remoção do assentamento. O impacto ainda se estende a três unidades de conservação e um loteamento urbano, o Guaíba City.
Segundo o assentado Marcelo Lucas da Silva, produtor de arroz orgânico e um dos fundadores do assentamento, as famílias pretendem resistir. “Somos contra o projeto, queremos permanecer na nossa terra, conquista do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Essa é uma área histórica do movimento. Quando ocupamos servia aos negócios escusos do traficante internacional Juan Carlos Ramirez Abadía. Vamos denunciar esse projeto nas feiras e nos espaços que participamos. Estamos abertos para o diálogo com a sociedade e vamos lutar junto com as entidades para evitar esse desastre”, salientou.
A poluição que o vento traz
"O uso do carvão mineral corresponde às formas mais agressivas do ponto de vista socioambiental, seja pela mineração e a consequente produção de energia ou pela indústria carboquímica”, ressalta o biólogo. Para quem tem ainda alguma dúvida, Brack sugere que vejam na internet as imagens das áreas degradadas na China, grande consumidora de carvão. “Centenas de trabalhos científicos tratam destes males que o grande setor econômico da mineração e da produção das térmicas a carvão tentam esconder”, critica.
A contaminação aérea impactaria a capital inclusive seu centro e, de acordo com o InGá, nos dias de predominância de vento sudoeste, avançaria para o Vale do Sinos, alcançando também Canoas, Sapucaia do Sul e Esteio. Sob ameaça direta estaria o rio Jacuí, que contribui com 84% da água do Guaíba e os parques do Delta do Jacuí e a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.
Uma primeira audiência pública aconteceu em Charqueadas. Agora, um grupo de entidades ambientalistas ingressou com pedido de audiência publica em Porto Alegre e Eldorado do Sul. E pede que outros movimentos sociais, ambientais e lideranças políticas, do Estado e do país, se juntem à luta “para que esta calamidade do combustível do século passado não nos engula”.
Este conteúdo foi originalmente publicado na versão impressa (Edição 13) do Brasil de Fato RS. Confira a edição completa.
Edição: Marcelo Ferreira