Coluna

Mineração em Minas Gerais ameaça o São Francisco

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Estudo constatou que rio Paraopeba não possui mais condições de vida ou de uso após crime ambiental da Vale em Brumadinho
Estudo constatou que rio Paraopeba não possui mais condições de vida ou de uso após crime ambiental da Vale em Brumadinho - Funai
Não é a primeira vez que a Vale ameaça um grande rio brasileiro

A mineração em Minas Gerais está gerando muitos perigos para o rio São Francisco. Agora, se vive a angústia de entender como o rompimento da barragem de rejeitos B1 da Vale, em Brumadinho (MG), contaminou o rio São Francisco. Há uma expectativa para milhares de famílias ribeirinhas e camponesas, que dependem tanto do rio, em entender quais serão estes impactos
O crime da Vale em Brumadinho deixou mais de 300 mortos. Dezenas ainda estão debaixo da lama de rejeitos, deixando as famílias na dor de não poder, sequer, enterrar os seus entes queridos. Os rejeitos foram para o rio Paraopeba, importante afluente do São Francisco, e destruíram plantações, casas e o próprio rio. A lama de rejeitos seguiu o curso do Paraopeba, inviabilizando quem dependia desse rio para irrigação das plantações e, também, impedindo o abastecimento de populações que captavam a água deste curso d’água, como o município de Pará de Minas (MG). A organização S.O.S Mata Atlântica, que tem feito medições da qualidade do rio Paraopeba desde o rompimento afirma: o rio Paraopeba, no trecho que a lama de rejeitos da Vale passou, está morto. Órgãos públicos, como o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) contemporiza, nega estes dados e afirma que não é bem assim. Como é então? O rio Paraopeba está ou não contaminado? Para a população local não resta dúvidas: está morto. Não tem mais peixe, não tem mais sapos, não tem mais cor nem cheiro de água. É outra coisa que dói de olhar. A situação do Paraopeba é fundamental para medirmos o impacto que se dará no São Francisco. 
Não é a primeira vez que a mineração industrial de minério de ferro coloca em risco um importante rio do Brasil. Não é a primeira vez que a Vale ameaça um grande rio brasileiro. Lembremos: a Samarco, que deixou romper a barragem Fundão, em Mariana, em 2015, é propriedade da Vale e da BHP Billiton. Dizendo em outras palavras: não é a primeira vez que o modelo de mineração brasileiro causa destruição em grande escala, e muito longe do local que é impactado pela instalação dos projetos minerários. 
O crime da Samarco/Vale/BHP Billiton nos deixou muitos aprendizados, e o primeiro é a materialização do alerta há muito tempo anunciado por ambientalistas e organizações populares que acompanham o tema da mineração: os impactos neste modelo serão em grande escala. A lama de rejeitos da barragem da Vale que se rompeu em Mariana percorreu quase 700km e chegou ao oceano Atlântico, contaminando inclusive o Arquipélago de Abrolhos, na Bahia. Neste percurso destruiu o rio Doce. Muitos pesquisadores afirmam que é irreversível o dano causado, que o rio Doce nunca mais vai voltar a ser o que era antes de novembro de 2015. A situação dos pescadores e pescadoras certamente nunca voltou a ser a mesma. Até hoje toda a população atingida por este crime segue na situação “emergencial”. As pessoas que tiveram suas casas destruídas dependem ainda do aluguel social, e todos que tiveram o seu modo de renda afetado continuam recebendo apenas o cartão de um salário mínimo da empresa, totalmente insuficiente para as necessidades reais do povo que não pode mais plantar por onde a lama passou e não consegue mais viver da pesca como era antes. Ninguém foi punido pelo crime. Nenhuma pessoa atingida foi indenizada. Ainda mais grave: muitas pessoas atingidas sequer foram reconhecidos até hoje, e continuam em luta para mostrar como as suas vidas continuam impactadas pelas consequências do crime. Toda a população atingida da bacia do rio Doce continua com muita dificuldade para retomar a vida que o crime da Samarco/Vale/BHP Billiton destruiu. Não foi por falta de luta: mobilizações aconteceram de Mariana a Regência (ES) ao longo destes 3 anos e 5 meses. O crime e a tragédia humana não foram apenas há 3 anos atrás, as violações são atualizadas todo o tempo. As empresas mineradoras e a Fundação Renova apenas não dominam mais a cena do crime pela luta do povo organizado da bacia do rio Doce. 
Existe um mito de que os rejeitos de mineração são “apenas” minério de ferro e terra. Mas numa rocha temos diversos tipos de outros minerais associados à ela, ainda que de forma residual. Muitos deles são o que chamamos de metais pesados, extremamente nocivos à saúde. Uma barragem de rejeitos de mineração terá então uma concentração desses metais pesados, que ao serem expostos nos cursos d’água, se tornam perigosos para a fauna, flora e para a saúde humana. Os metais pesados tendem a se depositar no fundo dos rios, e em toda chuva forte podem ser novamente revirados e ainda mais expostos. Até hoje pesquisadores analisam os peixes que ainda existem no Doce ou perto da foz do rio e encontraram alta concentração de diversos metais pesados. Em 2018, foi divulgada uma pesquisa do Instituto de Saúde e Sustentabilidade na qual foi constatada que moradores de Barra Longa (MG), cidade muito atingida pelos rejeitos, estavam contaminados com metais pesados, e desenvolvendo por causa disso inúmeros problemas de saúde. Mais de 3 anos depois a população continua sofrendo as consequências do crime de 2015. É esse o destino do São Francisco?
As consequências do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho não são as únicas ameaças que colocam em risco o São Francisco. Neste momento, estamos vivendo um colapso do modelo de mineração brasileiro, especialmente em Minas Gerais. Muitas barragens de rejeitos que até o crime em Brumadinho eram consideradas como estáveis estão passando agora por análises mais rigorosas e novas classificações do fator de risco. A população mineira passou a conviver com o terrorismo das barragens e o pavor que o que aconteceu em Mariana e Brumadinho novamente aconteça. 
São muitos os complexos minerários agora em risco de alerta máximo, com algumas barragens em nível 3, o que significa na classificação da Agência Nacional de Mineração (ANM) a possibilidade de rompimento iminente. Destaco três situações: a mina Mar Azul em Macacos (município de Nova Lima), o Complexo Vargem Grande (também em Nova Lima) e o Complexo Fábrica (em Ouro Preto). Moradores que vivem abaixo das barragens destes três complexos nas Zonas de Auto Salvamento (ZAS) foram evacuados nas últimas semanas, as populações que vivem nas Zonas de Salvamento Secundárias (ZSS) passaram por simulados de evacuação em caso de rompimento, placas de rota de fuga e pontos de encontro foram instaladas, em alguns locais também foram instaladas sirenes, a defesa civil montou como uma operação de guerra em muitas cidades para auxiliar moradores caso o pior aconteça. O medo passou a dominar os moradores de Itabirito, Rio Acima, Raposos, Barão de Cocais, Santa Bárbara, Macacos, Honório Bicalho, entre outros. O que tem em comum estes três complexos, além do terror que agora causam na população? Todos pertencem à mineradora Vale e todos estão inseridos na Bacia do Rio das Velhas, outro importante afluente do São Francisco em Minas Gerais. Em caso de novos rompimentos, muitos municípios mineiros sofreriam a destruição e o rio São Francisco receberia novamente um alto volume de rejeitos tóxicos. 
Estas novas ameaças comprometeriam, também, o abastecimento de água da região metropolitana de Belo Horizonte, que depende cerca de 60% da captação das águas do rio das Velhas. Toda a segurança hídrica da capital mineira está também sob ameaça. O risco para o São Francisco não são apenas os rejeitos da Vale que se romperam em Brumadinho. A ameaça é, de fato, o modelo de mineração.  Se o povo não se organizar em toda a Bacia do São Francisco para dar um basta nestes crimes que se repetem, poderemos ter em breve um colapso ainda maior. E um comprometimento irreversível das águas do São Francisco. 
 

Edição: Marcos Barbosa