O Projeto de Lei (PL) 10.825/2018, que acaba com o direito dos presos ao banho de sol e à recreação, tramita na Câmara dos Deputados e tem sido objeto de diferentes críticas de especialistas que acompanham a situação do sistema carcerário no Brasil.
De autoria do deputado Delegado Waldir (PSL-GO), integrante da chamada “bancada da bala”, a proposta prevê que o detento permaneça no cárcere durante todo o tempo, sendo autorizado a sair somente para trabalhar ou receber os tipos de assistência previstos em lei, como educacional, jurídica, religiosa e atendimentos de saúde.
Para isso, o texto do PL propõe alterações no artigo 41 da Lei de Execução Penal, que dispõe sobre os direitos dos presos.
O advogado Gabriel Sampaio, mestre em Direito Processual Penal, considera que a proposta é inconstitucional. Ele aponta que a medida fere o preceito da dignidade humana e ainda o inciso 49 do artigo 5 da Constituição, segundo o qual o Estado deve, no cumprimento da pena, respeitar a integridade física e moral do preso.
“Não há duvida de que retirar do preso o acesso ao sol é uma das violações mais absurdas que pode haver à integridade física e moral. Seria uma ideia digna de períodos obscuros da nossa história. O acesso ao sol é aquilo mais essencial à dignidade de qualquer pessoa. Então, é absolutamente inconstitucional a matéria”, afirma.
Ex-membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, Gabriel Sampaio acrescenta que as atividades de recreação nos presídios, outro direito vetado pelo PL, contribuem para o processo de reintegração social dos presos, um dos propósitos da aplicação de penas.
“A pessoa presa deve ter no espaço penitenciário um lugar que contribua pra que ela pague, sim, a pena, a partir da restrição de liberdade, que seja responsabilizada pelo crime praticado, mas, que, de outro lado, consiga ter a sua reintegração social. Se o Estado se omite dessa finalidade da pena, ele simplesmente acaba alimentando o exército das organizações criminosas”, analisa.
Para Sampaio, além de criarem mais condições para o fortalecimento desses grupos, as restrições propostas pelo projeto de lei tendem a gerar maior insatisfação na população carcerária, o que aumenta também o risco de rebeliões nos presídios.
Trabalho
Ele destaca ainda outro aspecto negativo do PL: a priorização de medidas punitivistas em detrimento de políticas públicas voltadas ao tema do encarceramento acaba por ofuscar as reais necessidades do sistema prisional brasileiro.
A necessidade do trabalho por parte dos presos é uma delas. Apesar de a legislação obrigar os detentos a trabalharem, essa é uma atividade ainda escassa na realidade das prisões brasileiras, por causa da baixa oferta de vagas.
O país não tem dados oficiais recentes sobre isso, mas o último levantamento feito pelo Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), em 2016, mostrou que o percentual de pessoas privadas de liberdade que, na época, praticava alguma atividade laboral era de apenas 15%, considerando todo o contingente carcerário.
Estados como Ceará, Paraíba e Pernambuco, por exemplo, registraram percentuais ainda menores, com 5%, 6% e 8%, respectivamente.
Assim, ao determinar que os presos só poderão sair da cela para receber as assistências previstas em lei ou para trabalhar, o PL tende a promover um enclausuramento ainda mais acentuado da maior parte dos presidiários.
“Isso é inconstitucional, é desarrazoado e desproporcional”, critica Everaldo Bezerra Patriota, membro do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
Saúde
Coordenador da Comissão Permanente dos Direitos da População em Situação de Privação de Liberdade, órgão do CNDH, Patriota destaca ainda os riscos que o PL traz para a saúde individual e coletiva dos presos, caso seja aprovado pelo Legislativo.
Ele lembra que um dos maiores problemas de saúde pública no Brasil é a insalubridade no sistema penitenciário, que está diretamente relacionado à superlotação e à baixa circulação de ar nas dependências dos presídios. O contexto é propício à ocorrência de diferentes doenças.
Dados do Ministério da Saúde apontam que pessoas em privação de liberdade têm, em média, uma chance 28 vezes maior de contraírem tuberculose do que a população em geral. De acordo com o Ministério da Justiça, 62% das mortes registradas nas prisões brasileiras são provocadas por doenças.
“Você tem grandes epidemias de sarna, problemas de pele, tuberculose, tudo isso. Quando nós retiramos o banho de sol, nós estamos dizendo que aqueles que não têm acesso ao trabalho vão ficar confinados durante 24 horas. Só faltou dizer [no projeto] que fica instituída a masmorra na realidade brasileira”, critica Patriota.
Autor
O Brasil de Fato tentou ouvir o deputado Delegado Waldir (PSL-GO), autor da proposta, mas não conseguiu contato com a assessoria de imprensa do parlamentar por telefone.
Em entrevista recente ao site da Câmara dos Deputados, o membro do PSL defendeu o PL alegando que o horário do banho de sol e da recreação seria utilizado pelos detentos para praticar ilegalidades, como homicídios, fugas e acertos de contas.
Ele disse ainda que o Estado procura “compensar a omissão em relação às vagas para o trabalho com dias de recreação, banhos de sol e lazer”.
Tramitação do PL
O PL 10.825/2018 tramita atualmente na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO) da Câmara, onde aguarda designação de relator. Ele também deverá ser avaliado pela Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).
Edição: Mauro Ramos