Neste começo de 2019, no período que antecede a abertura do ano parlamentar, avançou, no Senado Federal, a tramitação do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 34/2015, que propõe o fim dos rótulos que indicam a presença de transgênicos nos alimentos.
Depois de rejeitada por duas comissões legislativas da Casa e aprovada por outras duas, a medida será agora avaliada pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC). O projeto aguarda a designação de um relator, que será escolhido pelo presidente do colegiado – nome também sem definição. Ainda não se sabe qual será a composição das comissões da Casa, que se altera com a mudança de legislatura. Por esse motivo, somente em fevereiro será possível saber qual bloco parlamentar ficará no comando do colegiado que irá avaliar a proposta.
O PLC, no entanto, tem dono certo: arquitetado por atores do agronegócio, deverá contar com mais uma forte articulação de parlamentares ruralistas em prol de um novo passo na tramitação.
A movimentação em torno da defesa da proposta terá, como pano de fundo, um contexto em que o governo de Jair Bolsonaro (PSL) conta com o apoio oficial da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), mais conhecida como “bancada ruralista”, que reúne os deputados e senadores aliados do agronegócio.
Oposição
Proposto inicialmente na Câmara Federal pelo deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), o PLC 34/2015 enfrenta oposição de entidades, especialistas e movimentos populares.
A medida prevê a retirada do triângulo amarelo com a letra “T”, que indica a presença de alimentos geneticamente modificados em produtos com mais de 1% de ingredientes transgênicos em sua composição total.
O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) é um dos críticos da medida. O órgão destaca que a proposta fere garantias legais.
“O Código de Defesa do Consumidor deixa claro que as informações não podem ser enganosas, abusivas e precisam estar apresentadas de uma forma muito clara..Os consumidores, os cidadãos têm o direito de saber aquilo que estão consumindo”, afirma o nutricionista Rafael Arantes, do Idec.
A entidade promove, há alguns anos, uma campanha de assinaturas para pressionar os senadores a reprovarem o PLC. O movimento já conta com mais de 50 mil apoios.
No site do Senado, também está em vigor uma enquete virtual para consultar os internautas a respeito da medida. Até o momento, 22.851 pessoas votaram pelo “não”, enquanto 1.043 aprovam o PLC.
“A população não quer comprar transgênicos e quer proteger a sua saúde e o ambiente nacional. E ela não vai poder fazer isso se essa informação for retirada [dos rótulos]”, destaca Leonardo Melgarejo, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida.
Transgênicos
Engenheiro agrônomo, Melgarejo sublinha que o uso de transgênicos está inserido na mesma lógica sistêmica dos pesticidas. No Brasil, 92% da soja, 87% do milho e 94% do algodão são geneticamente modificados. Tais cultivos são típicos da monocultura, produção em larga escala que se prolifera na sombra do agronegócio, grande consumidor de pesticidas.
“As plantas que eram controladas por eles (pesticidas) já não são mais. Elas desenvolvem uma resistência natural, se transformam pra sobreviver. Isso gera um mercado pras empresas, porque elas podem produzir novas plantas transgênicas que são tolerantes a outros herbicidas, e elas vêm fazendo isso”, explica Melgarejo, destacando o ciclo que incentiva a relação entre agrotóxicos e transgênicos.
Outras entidades acompanham com atenção o uso desses tipos de produto no Brasil. Em nota divulgada em 2015, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), por exemplo, alertou para os riscos do consumo de pesticidas e destacou que “a liberação do uso de sementes transgênicas no Brasil foi uma das responsáveis por colocar o país no primeiro lugar do ranking de consumo de agrotóxicos”.
Além de provocarem poluição ambiental, os pesticidas são associados à intoxicação de trabalhadores e da população em geral e a doenças como o câncer.
No caso dos alimentos transgênicos, o debate público é marcado por controvérsias no que se refere aos riscos de consumo. Em geral, defensores de produtos geneticamente modificados buscam sustentação em pesquisas que garantem a suposta segurança desse tipo de produto.
Tais estudos, no entanto, são geralmente patrocinados por empresas interessadas na expansão da produção de transgênicos e do consumo de pesticidas no país. O alerta é feito por Paula Johns, diretora da ONG ACT Promoção da Saúde, umas das entidades que integram a rede Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.
“Esse é um aspecto super importante. Você tem que olhar quais são as forças econômicas produzindo a ciência. Ela é produzida também num jogo de relação de poder e de força. Normalmente, os dados científicos mais independentes são mais cautelosos [em relação aos transgênicos] e alguns foram até censurados historicamente, por força do poder econômico”, destaca.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira