AGRICULTURA

Artigo | Novos transgênicos: alertas sobre câncer e toxicidade

Estudos recentes desmentem de forma contundente que estes novos transgênicos não apresentam riscos

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Movimentos populares do Brasil e da Argentina protagonizam a luta contra a liberação dessas tecnologias
Movimentos populares do Brasil e da Argentina protagonizam a luta contra a liberação dessas tecnologias - Fernando Frazão/Agência Brasil

A Crispr-Cas9 é um novo método de engenharia genética considerado mais preciso que os transgênicos anteriores. Vários estudos científicos recentes mostram o contrário: dois estudos indicaram que pode causar câncer e um outro estudo demonstrou os efeitos colaterais, entre eles, a eliminação ou o reordenamento acidental de longas sequências de DNA e o silenciamento ou a ativação de genes que não pretendia-se modificar, tudo isso com potencial patogênico.

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O artigo mais recente, da equipe de Allan Bradley, do Wellcome Sanger Institute, no Reino Unido, foi publicado na revista científica Nature Biotechnology no dia 16 de julho de 2018 [1].

A Crispr-Cas9 é uma construção enzimática artificial que atua como “tesouras moleculares com GPS”: encontra o lugar onde pretende-se manipular o DNA e corta as duas fibras de DNA, inibindo a expressão do gene que sofre a intervenção, e/ou inserindo novo material genético, criando um organismo transgênico.

O estudo de Bradley e outros realizados com células humanas e ratos, demonstrou que a Crispr-Cas9 frequentemente produz efeitos adicionais não esperados, como a eliminação de longas sequências de DNA (entre centenas e milhares de bases) ou seu reordenamento, mas longe do lugar do corte. Assim, conclui-se que estas mudanças podem produzir doenças.

Bradley manifestou que este tipo de efeitos secundários foram subestimados nos estudos anteriores, ainda que existissem indicações sobre eles, provavelmente porque não apareciam nas análises, já que, em geral, são analisadas sequências de DNA próximas ao lugar de intervenção com Crispr-Cas9, mas as mudanças são demonstradas em sequências distantes. No caso da eliminação ou reordenamento, como não procuram estes fenômenos, pode passar despercebido nos laboratórios, mas têm efeitos potencialmente danosos nos seres humanos e outros organismos.

Ainda que os estudos refiram-se sobretudo ao uso de Crispr-Cas9 na medicina, o problema se manifesta também na manipulação de cultivos: os mesmos efeitos são produzidos nas plantas, o que produz impactos não esperados nos cultivos e no seu consumo, porque a ativação e a desativação de genes e eliminação ou a reacomodação de sequências pode causas alergias e outras formas de toxicidade.

O estudo da equipe de Bradley fez crescer o alarme criado por dois artigos anteriores, um do reconhecido Instituto Karolinska, da Suécia, que indicaram que a Crispr-Cas9 aumenta o risco de câncer em pacientes nos quais se insere células modificados com este método [2]. Isto se deve ao fato de que a ação da Crispr-Cas9 não é eficaz diante da reação do gene p53, que é uma espécie de “caixa de primeiros socorros” das células, associado à prevenção de muitas formas de câncer. Este gene atua para reparar o corte que produz a Crispr-Cas9 e quando não consegue fazê-lo, instrui a célula a morrer para não reproduzir a anomalia. Quando o p53 não atua, a Crispr-Cas9 é muito mais efetiva, porque os cientistas que a utilizam selecionam as células nas quais este gene não atua, mas poderiam estar inserindo células nos organismos que serão cancerígenas no futuro, como uma bomba-relógio.

Consultado pela organização GMWatch, o Dr. Michael Antoniu, do King’s College Londres, explicou que a reação dos organismos de reparação diante do “corte” da Crispr-Cas9 é um mecanismo natural de defesa e, portanto, não se trata de “ajustar” as novas bioteconologias, já que o mecanismo continuará atuando. Selecionar as células onde esta não atua, provoca efeitos secundários graves, como o câncer ou, no caso das plantas, problemas sérios de inocuidade alimentar. Antoniu considera, além disso, que outras novas biotecnologias, como TALEN ou mutagênese de um só nucleótido, possivelmente produzam os mesmos efeitos e, portanto, deveriam ser feitos estudos sobre ele. Questiona também que outros métodos de mutagênese que são utilizados, como a radiação, poderiam estar causando toxicidade que não está associada a ela, com impactos na inocuidade e segurança dos alimentos [3].

De modo oportuno, dias depois da publicação dos estudos citados, o Tribunal de Justiça da União Europeia emitiu um parecer, após um processo iniciado por um pedido legal realizado pela Via Campesina, Amigos da Terra e outras organizações da França, afirmando que os produtos criados com as novas biotecnologias (que incluem mutagênese e Crispr) são organismos geneticamente modificados, ou seja, transgênicos, e devem passar por análises de risco das leis de biossegurança e seu exame deve estar baseado no princípio de precaução. Esta foi uma vitória das organizações camponesas,  ambientalistas e de consumidores, diante da insistência mal intencionada da indústria biotecnológica de que as novas tecnologias não precisam passar por uma avaliação de biossegurança [4].

Esta absurda posição da indústria é a que defende Victor Villalobos, anunciado como secretário de Agricultura do presidente do México, López Obrador, para quem as organizações camponesas pedem “destituição antecipada”.

Da mesma forma, para satisfazer as demandas da indústria biotecnológica na Argentina, foi aprovada mediante uma resolução normativa em 2015, que as novas biotecnologias não precisam passar pelos mesmos processos que os transgênicos.

Em janeiro de 2018, a comissão de biossegurança no Brasil, a CNTBio, aprovou uma resolução semelhante, mas que foi além, incluindo a potencial liberação de impulsionadores genéticos, uma aplicação da Crispr-Cas9 que pode ser utilizada para extinguir espécies.

A Via Campesina e outros movimentos populares de Brasil protestaram contra esta medida, que continua pendente.

Os novos estudos desmentem de forma contundente que estes novos transgênicos não apresentem riscos, pelo contrário, que poderiam ser ainda mais arriscados do que os anteriores. Este é, sem dúvida, outro motivo para reverter estas absurdas normas na Argentina e no Brasil.

[1] https://tinyurl.com/ycdqhara

[2] https://tinyurl.com/y9jpyh84

[3] https://tinyurl.com/y8rowl3w

[4] https://tinyurl.com/y7vgznrp

*Silvia Ribeiro é pesquisadora do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC)

Edição: ALAI - America Latina en Movimiento - America Latina en Movimiento | Tradução: Luiza Mançano