Anunciado como novo chefe do Serviço Florestal Brasileiro, o deputado federal Valdir Colatto (MDB-SC) mantém terras improdutivas em um assentamento no município de Vilhena, em Rondônia. A propriedade de mil hectares havia sido concedida durante a ditadura pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e, na avaliação do instituto, não cumpria com sua função social, condição para a manutenção da concessão. Para completar, estava inadimplente no cumprimento das regras do contrato.
A fazenda na Gleba Corumbiara esteve durante alguns anos ocupada por camponeses – que protestavam contra a situação fundiária da propriedade – e tinha previsão inicial de destinação à pecuária. Em sua declaração de renda ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Vadir Colatto trata a unidade como “terra nua”, ou seja, sem benfeitorias e sem atividade econômica. Ele não foi o beneficiário inicial das terras públicas: adquiriu a propriedade em 1980, durante o governo Figueiredo.
Com pouco mais de 71 mil votos, concentrados no oeste de Santa Catarina, o parlamentar não foi reeleito. Ele presidiu a Frente Parlamentar da Agropecuária e foi um dos propositores da CPI da Funai e do Incra, que criminalizou indígenas, antropólogos e até procuradores. Ele foi o subrelator para a Fundação Nacional do Índio (Funai). A subrelatora para o Incra foi a atual ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), que foi quem indicou Colatto para o Serviço Florestal.
O deputado foi o autor do projeto de lei que deu origem ao atual Código Florestal. Como tal, foi muito criticado por ambientalistas. O engenheiro agrônomo também é conhecido por um projeto que libera a caça de animais silvestres. A desapropriação para a reforma agrária faz parte de outro projeto do parlamentar, que pretende impedir a desapropriação em casos de flagrante por trabalho escravo.
Contexto
A terra em Vilhena tinha um total de 2 mil hectares e foi concedida a Jayme Beider nos anos 1970. Em 30 de setembro de 1980, ainda durante o governo João Figueiredo, último general da ditadura militar, Colatto adquiriu metade da propriedade original. Beider vendeu a outra parte em 16 de julho de 1984 para Luiz Alberto Boni, hoje um grande empresário do agronegócio, dono da Agriter.
O Contrato de Alienação de Terras Públicas (CATP) original havia sido assinado em 4 de março de 1977 entre o Incra e Idneu Pedro Feltrin, que possivelmente repassou o direito de uso a Beider. Mais um empresário beneficiado por terras públicas, Feltrin teve hidrelétricas em Rondônia, com financiamento do Banco da Amazônia – antes de se tornar réu por causa das dívidas.
Em ação movida em 2007, Valdir Colatto sustentou que a propriedade “seria explorada”, apesar de não ter feito isso durante as décadas como beneficiário de uma terra do Incra. Ele argumentava à Justiça que a terra havia sido ocupada por posseiros e por isso pediu a reintegração de posse.
Em junho de 2013, Colatto foi responsável pelo despejo de pelo menos 120 famílias do Acampamento Nova Vida, que requeriam a posse da terra. O juiz federal Rodrigo Gasiglia de Souza entendeu que, pelo fato de a terra estar ocupada por terceiros, o Incra não poderia fazer a inspeção. Só que a fiscalização [ao lado e na foto principal] foi feita em abril, dois meses antes de Colatto entrar com o pedido de despejo.
Com a ocupação, argumentou o juiz em Vilhena, a terra estaria livre de processo de desapropriação para fins de reforma agrária. A União recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF-1) para conseguir cancelar o registro imobiliário do imóvel, localizado na BR-174, a rodovia que liga Cuiabá a Boa Vista. A fazenda fica no primeiro quilômetro, próxima da cidade de Vilhena.
O político declarou ao TSE outros bens rurais: metade de outra propriedade de cerca de mil hectares em Vilhena e duas fazendas menores no município: uma com 99,73 hectares e 25% de uma área de 97,21 hectares. Ele também possui uma fazenda de 9,51 hectares em Formoso do Araguaia (TO). Colatto incluiu na declaração um terreno de 16,8 hectares em Abelardo Luz (SC), mas a Justiça reconheceu o usucapião em favor de João Sebastião Dalazen.
Até janeiro, o Serviço Florestal Brasileiro era ligado ao Ministério do Meio Ambiente, mas uma medida provisória do presidente Jair Bolsonaro transferiu o órgão para o Ministério da Agricultura, comandado pela deputada Tereza Cristina. Os dois têm em comum a defesa dos grandes proprietários rurais: ela também presidiu a Frente Parlamentar da Agropecuária, de onde costurou o apoio dos ruralistas à candidatura de Jair Bolsonaro.
O que ele pretende
Como chefe do Serviço Florestal, Colatto vai tratar de cadastros ambientais e de reservas, inventários e concessões de florestas – todas questões de interesse direto do agronegócio. Boa parte de seus projetos de lei defende os interesses do setor, embora ele seja conhecido especificamente como autor do projeto de lei que libera a caça no país, proibida desde 1967.
O deputado defendeu no Congresso a transferência para os estados da prerrogativa de estabelecer os percentuais de reserva legal. Ele também propôs um decreto legislativo para sustar a portaria do Ministério do Meio Ambiente que reconhece “como espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção aquelas constantes da Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção”.
Em outra proposta do decreto legislativo, o deputado tenta surtar a portaria do Ministério do Trabalho que inclui as terras onde foi flagrado trabalho escravo como passíveis de desapropriação para a reforma agrária. Por causa dessas iniciativas, Colatto ganhou o topo do Ruralômetro, iniciativa da Repórter Brasil para classificar o índice de adesão dos parlamentares às causas ruralistas.
O político Colatto já fez críticas a integrantes do governo Bolsonaro. Em sua página no Facebook ele protestou em sua página no Facebook contra a escolha do general Franklimberg Ribeiro de Freitas para a presidência da Funai. Segundo ele, o militar havia sido exonerado da própria Funai durante o governo Temer, a pedido da Frente Parlamentar da Agropecuária por ser “onguista e petista”.
Criticou ainda a exoneração da diretora de Proteção Territorial da Funai, Azelene Inácio, a pedido do ministro da Justiça, Sergio Moro. A servidora é investigada pelo Ministério Público por conflito de interesse. Para o político, ela era “a única indicada pela FPA que enfrentava o PT e as ONGs do deputado Nilto Tatto”, parlamentar do PT de São Paulo ligado às causas socioambientais.
Filha no governo Temer
Colatto é a segunda pessoa que sua família emplaca no segundo escalão do governo. Sua filha, a advogada Andreza Winckler Colatto, é secretaria Nacional de Política para Mulheres. Ela havia sido nomeada para o cargo em julho do ano passado, durante o governo Michel Temer, e foi mantida pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Ela já havia sido nomeada pelo governo Temer para as secretarias de Avaliação e Gestão da Informação e de Inclusão Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário.
Assim como o pai, Andreza é ligada aos interesses dos grandes produtores e fez parte do Fórum de Mulheres do Agro. O outro filho de Colatto, Anderson Napoleão Winckler Colatto, é sócio da AC Bio Consultoria, Assessoria e Gestão de Projetos e do Centro de Investimento, Comércio e Indústria Brasil-Arábia Saudita, em Brasília. E também fez parte, por alguns meses, do governo Temer.
Os irmãos do deputado são proprietários rurais no Paraná. Um deles, Valdecir Roberto Colatto, possui tentáculos idênticos em Vilhena. Ele comemorou em junho a prisão de indígenas que cobravam pedágio na BR-364, em Comodoro (MT). “Demorou”, disse. A cobrança de pedágio por indígenas também ocorre em Vilhena.
Valdecir é réu, junto com Valdir Colatto e outras 22 pessoas (duas delas da família Winckler, da mulher do político), em outra ação movida pelo Incra em Rondônia. A família também moveu, por sua vez, um processo contra a Associação dos Pequenos Chacareiros do Setor Aeroporto Afonso Maria das Chagas, por causa da ocupação em Vilhena.
A mulher de Colatto, Eloa Winckler, administra a empresa Agros Planejamento Agropecuário e Consultoria, em Xanxerê, onde Colatto foi presidente do sindicato rural. Ele teve entre os doadores de sua campanha o empresário paulista Rubens Ometto Silveira Mello, presidente do Conselho de Administração da Cosan, a gigante sucroalcooleira que, em parceria com a anglo-holandesa Shell, compõe a Raízen, a maior exportadora brasileira de açúcar.
Edição: Brasil de Fato