A ideia de extinção do Ministério do Meio Ambiente (MMA), com posterior junção da pasta ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), proposta por Jair Bolsonaro (PSL), repercutiu de forma negativa não só entre ambientalistas, mas mesmo dentro de setores do agronegócio.
A informação foi confirmada nesta quarta-feira (24) pelo Brasil de Fato junto ao Instituto Pensar Agropecuária (IPA), que atua como braço técnico e científico da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) -- conhecida como “bancada ruralista”.
O IPA não quis gravar entrevista, mas confirmou, por meio da assessoria de imprensa, que a medida não tem unanimidade entre empresários do ramo. Oficialmente, o motivo seria o provável problema administrativo que a junção das pastas causaria ao Mapa, que não teria como gerir determinadas políticas típicas do MMA, como saneamento, gestão de resíduos industriais, e todas aquelas que não têm vínculo direto com a agricultura.
À reportagem, o IPA informou ainda que foi montado um grupo de trabalho para fazer um estudo sobre essa e outras questões. A ideia é apresentar o material ao candidato que vencer o segundo turno das eleições, em uma articulação conjunta entre ruralistas e futuro governo.
Nos bastidores, a ideia de junção dos ministérios têm causado controvérsias por outro motivo. Os ruralistas não estariam preocupados com a biodiversidade, mas com o próprio bolso. Além da ameaça ambiental que a proposta representa, pode haver prejuízos prejuízos às exportações do agronegócio brasileiro, que mantém acordos comerciais com diferentes países.
A aglutinação das pastas, somada a outras medidas propostas por Bolsonaro -- como a retirada do Brasil do Acordo de Paris, que prevê redução de gás carbônico a partir de 2020 --, tendem a sufocar as políticas ambientais em âmbito nacional e, com isso, comprometer a imagem do país no exterior.
As relações comerciais internacionais do Brasil têm grande peso para o agronegócio. A China, por exemplo, desponta como principal parceira e responde por 28,2% das exportações do setor em 2017. O dado é do Centro de Estudos Avançados em economia Aplicada (Cepea), vinculado à Universidade de São Paulo (USP).
Os países da zona do euro ocupam o segundo lugar no ranking, absorvendo 16% da produção do agronegócio nacional. Na sequência, figuram os Estados Unidos, com 7% de representação no total. Todos os dados são do Cepea.
O ambientalista Rogério Eliseu, mestre em Agricultura Tropical e Desenvolvimento Socioambiental, aponta que muitos dos parceiros comerciais do Brasil, especialmente da Europa, contam com políticas ambientais mais avançadas e tendem a valorizar, ainda que minimamente, o peso dado pelo país aos cuidados com o meio ambiente.
Mais do que isso, Rogério Eliseu destaca que o enfraquecimento de tais políticas poderia servir como objeto de manobras políticas para que tais países enrijeçam as barreiras alfandegárias como forma de proteger sua própria produção e prejudicar as exportações brasileiras.
Essa é, usualmente, a ginástica adotada no mundo do comércio exterior, segundo o ambientalista. A prática está relacionada, por exemplo, ao histórico de constantes boicotes à carne brasileira, e já foi adotada por parceiros como Rússia, Estados Unidos e países europeus.
O enfraquecimento – ou mesmo a interrupção – das políticas ambientais tenderia a ampliar os índices de desmatamento e outros problemas, causando um efeito em cadeia para o setor do agronegócio.
“Os boicotes internacionais sempre são feitos em cima de uma pauta, e a pauta ambiental vai ser utilizada com certeza porque a gente, desmatando, é um grande contribuidor do aquecimento global, que é o que está pegando [atualmente]. Isso é natural, é do jogo internacional, aí você utiliza o argumento que cola”, afirma.
Amazônia
Adriana Ramos, da ONG Instituto Socioambiental (ISA), explica que a preservação dos recursos naturais por parte do Brasil tem relevância diante do cenário internacional porque a Amazônia é a maior área de floresta tropical contínua do planeta.
O bioma é reconhecido mundialmente por diferentes acordos internacionais como de grande importância para o balanço global do clima, a produção de chuvas e a garantia da biodiversidade. Por isso, a flexibilização de políticas ambientais poderia influenciar as negociações realizadas no exterior.
“Há uma preocupação, principalmente no caso da União Europeia, de não contribuir pro desmatamento da Amazônia em função dessa relevância global que a floresta tem. Nesse sentido, os países têm se engajado em processos, sejam voluntários, sejam de acordos negociados internacionalmente, para garantir que o comércio se dê sem promover o desmatamento”, explica.
América Latina
A pesquisadora de negociações climáticas Sabrina Fernandes, que também atua como professora da Universidade de Brasília (UnB), destaca que um eventual abandono da pauta ambiental por parte do Brasil também impactaria a relação do país com os vizinhos latinos.
Ela acrescenta que o país vem recuando na política ambiental durante o governo Michel Temer (MDB), que enfraqueceu políticas consideradas relevantes para o setor. Antes do golpe de 2016, o Brasil mantinha uma rede especializada em agricultura familiar no âmbito do Mercosul, além de outras iniciativas na área.
“Havia um nível de mediação até dentro da própria questão agrária. O Ministério do Desenvolvimento Agrário trouxe uma importância muito grande pra questão da agricultura familiar e incentivou projetos de agroecologia”, exemplifica.
Durante os anos 2000, o Brasil tornou-se referência na região em políticas ambientais. Por conta disso, a pesquisadora entende que a comunidade latino-americana teme um retrocesso ainda maior no país, o que é associado a uma eventual vitória de Jair Bolsonaro nas urnas.
“Os países caribenhos, principalmente as ilhas, estão praticamente desesperados. Há chefes de Estado muito preocupados porque eles serão afetados primeiro numa mudança climática. Eles olham pros países que são considerados maiores potências econômicas, como o Brasil, pra ajudar a trazer essa pauta”, completa a pesquisadora da UnB.
Entre as diferentes articulações existentes em âmbito regional, está a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), da ONU, da qual o Brasil faz parte. O trabalho do órgão é multilateral, e por isso ele também trata das questões ambientais. No mês passado, por exemplo, foi assinado um tratado que prevê a proteção internacional de defensores do meio ambiente.
A disputa do segundo turno entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) ocorre no próximo domingo (28).
Edição: Daniel Giovanaz