Os representantes do Grupo de Lima assinaram na última sexta-feira (4) uma declaração em que não reconhecem a legitimidade do novo mandato do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.
O documento firmado pelos membros do bloco pede que o mandatário não tome posse no próximo dia 10 e que transfira, temporariamente, o exercício do poder Executivo para a Assembleia Nacional até que novas eleições sejam realizadas.
Criado em 2017 por iniciativa do governo peruano sob a justificativa de “denunciar a ruptura da ordem democrática na Venezuela”, o bloco é formado por Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia. Dos 14 países, somente o México se posicionou contra o texto.
Embora os Estados Unidos não participem do grupo, o secretário de Estado do país, Mike Pompeo, participou da reunião por meio de uma teleconferência. Pompeo já havia se encontrado com representantes do Brasil e da Colômbia para pedir um maior endurecimento de postura contra a Venezuela.
Segundo Lucas Ribeiro Mesquita, professor de relações internacionais e coordenador do Instituto Mercosul de Estudos Avançados da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), por conta do fortalecimento de uma onda conservadora na região, os Estados Unidos deverão participar cada vez mais de discussões como as que ocorreram em Lima.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor afirmou que os “Estados Unidos, observando a possibilidade dessa formação de parcerias através de lideranças regionais como Brasil, Argentina e Colômbia, tendo esse apoio aqui, vão estar cada vez mais presentes”.
Leia a entrevista:
Brasil de Fato: O que o senhor achou da decisão do Grupo de Lima de não reconhecer a reeleição de Maduro? Quais podem ser suas consequências na prática?
Lucas Ribeiro Mesquita: Essa decisão é, na verdade, a representação de todo um processo histórico recente que essas forças conservadoras da região vêm fazendo, principalmente com relação ao governo venezuelano, que é um governo que sofre muitas críticas por conta das características do seu processo político interno.
E agora, como você tem uma conformação de forças cada vez mais conservadora dentro da região, a tendência é que essa relação ou essa disputa entre polos do poder regional acabe se polarizando cada vez mais.
Eu acho importante ter uma leitura de que esse processo de endurecimento ou de deslegitimação do governo venezuelano é um processo que vai cada vez mais encontrar força no cenário político latino-americano.
Você tem já no governo de Michel Temer uma postura de endurecimento, mas você ainda tem um controle ou uma preservação de algumas tradições e práticas da política externa brasileira. Como os princípios de não intervenção e uma tentativa de resolução dos conflitos.
Agora, no governo Bolsonaro, você tem um cenário em aberto, no qual a gente não sabe quais serão as práticas adotadas pelo governo. É só a gente pensar que, desde a campanha eleitoral, o tema da Venezuela é um tema muito caro a esse novo cenário político brasileiro.
Posso te dizer, de uma forma bem convicta, que é a primeira vez que você traz para o debate político interno uma questão de política internacional, que seria o processo de "venezualização" do Brasil, caso o PT [Partido dos Trabalhadores] ganhasse.
Você nunca teve na política brasileira, principalmente na política brasileira recente, salvo no período pré-golpe de 1964, naquela caça aos comunistas, ou mesmo ali nos momentos pós Segunda Guerra - algo mais historicamente encaixado -, uma utilização de um discurso desse para a política externa e para o debate eleitoral brasileiro.
Então como o governo Bolsonaro ganha muito com esse mote de campanha contra a Venezuela - de que, se votar no candidato da esquerda ou da centro-esquerda, você estaria transformando o Brasil em uma Venezuela -, com a chegada deles no poder, a tendência é que isso se endureça cada vez mais no cenário político nacional.
As eleições presidenciais [na Venezuela] ocorreram em maio de 2018 e, no entanto, a declaração do Grupo de Lima acontece só agora, às vésperas da posse de Maduro. É normal que algo assim ocorra?
Quando há a última eleição presidencial na Venezuela, você já tem um não reconhecimento do processo eleitoral via Grupo de Lima, via Estados de forma individual, via a própria Organização dos Estados Americanos (OEA).
Então, na verdade, como o governo Maduro passa agora a ter a possibilidade de tomar posse, como está muito próximo da sua tomada de posse, é quase natural que esses Estados se posicionem contra o governo. E agora cada vez mais fortalecidos em função do governo Bolsonaro, que adota uma postura muito agressiva e contrária à Venezuela desde a sua campanha eleitoral.
A tendência é que isso se fortaleça. E o instrumento de utilizar o discurso através, principalmente, do Grupo de Lima, pautado e apoiado também pela OEA, acaba fortalecendo esse tipo de coisa. Então é algo normal, no meu entendimento, por conta da própria conjuntura e pela própria onda conservadora que está acontecendo na América Latina.
O governo venezuelano acusa o Grupo de Lima de incentivar um golpe de Estado. Há essa possibilidade?
Neste cenário político regional, é possível que você tenha um fortalecimento dessa disputa entre as forças internas na Venezuela. Não sei se chegaria a um golpe ou alguma coisa assim.
É muito complicado na região da América do Sul as diplomacias adotarem processos de intervenção unilateral. Eu ainda acredito que isso não vá acontecer sob essa perspectiva. Eu acho que as práticas de intervenção que possam acontecer vêm sob outras faces, sob outros mecanismos, como intervenções sob uma justificativa de ajuda humanitária, ou sob uma suposta violação democrática. Um golpe unilateral eu acho difícil, mas neste cenário regional a gente tem que ficar sempre com um pé atrás.
Em janeiro, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, se reuniu com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, e com o presidente da Colômbia, Iván Duque, para pedir um maior endurecimento nas relações com a Venezuela. Pompeo chegou a participar, por meio de uma teleconferência, da reunião do Grupo de Lima. Qual foi o papel dos EUA na decisão do bloco?
Se a gente for pegar o processo histórico recente, você tem na América Latina nos últimos 15 anos a chamada “onda rosa” dos partidos de centro-esquerda, que assumem o poder e adotam uma postura muito crítica a esse alinhamento automático aos Estados Unidos.
Agora você tem uma reversão disso, e os Estados Unidos, observando a possibilidade dessa formação de parcerias através de lideranças regionais como Brasil, Argentina e Colômbia, tendo esse apoio aqui, vão estar cada vez mais presentes nessas discussões.
É só a gente entender quais passam a ser os espaços de decisão regionais na América Latina. A gente tem a construção da Unasul [União de Nações Sul-Americanas] como um espaço político de decisões tanto de segurança quanto de aspectos políticos nas últimas décadas. E com essa nova onda conservadora, você mina esse espaço e passa a considerar o espaço de solução de controvérsias da região a partir da OEA, que historicamente é um espaço mais voltado aos mandos e desmandos dos Estados Unidos.
Então os Estados Unidos passam novamente a ser um ator importante na região - nunca deixaram de ser na verdade. E os Estados Unidos acabam sempre adotando uma postura muito pragmática. Adotam um discurso de liberalização a partir de uma democracia liberal, de um modelo liberal de democracia. Mas acabam se aproveitando de toda a desigualdade econômica e social da América Latina para continuar vendendo os seus produtos e comprando commodities a preços baixos. Toda essa dinâmica que é característica ao próprio governo.
A decisão mostra uma espécie de subordinação dos governos regionais às posições de Washington ou se trata principalmente de uma questão local?
Os Estados Unidos têm uma influência muito grande na região, isso é inegável. Mas acho que a gente também tem que creditar aos grupos políticos internos dos Estados latino-americanos, principalmente essas elites da centro-direita e da direita conservadora que ascendem a uma elite política governamental, ascendem ao governo, de que todas elas possuem essa característica ocidental, liberal, principalmente economicamente.
Acho que é muito mais uma confluência de ondas conservadoras que veem os Estados Unidos como um modelo ideal de Estado a ser seguido e que, com isso, passam a adotar posturas muito próximas ao discurso norte-americano.
Lógico, acho que ainda é uma postura colonizada, é uma postura de redução de autonomia, mas a gente também tem que fazer a leitura de quem são os decisores que estão à frente dos nossos Estados.
É uma questão local, porque a problemática da Venezuela é uma problemática adotada regionalmente. Ela não é levada para outros fóruns internacionais. Mas a relação da subordinação é muito mais um alinhamento político entre as elites decisórias dos países.
Edição: Aline Scátola