JUSTIÇA

Avó da Praça de Maio recorda 41 anos de organização por verdade e justiça

Estela de Carlotto participou do 1º Fórum Mundial do Pensamento Crítico, em Buenos Aires, capital da Argentina

|
Presidenta da associação Avós da Praça de Maio até hoje luta para encontrar filhos de desaparecidos durante a ditadura na Argentina
Presidenta da associação Avós da Praça de Maio até hoje luta para encontrar filhos de desaparecidos durante a ditadura na Argentina - Divulgação/Clacso

“Não sou nada mais do que uma mulher argentina, uma avó, uma mãe, vítima, junto com milhares, de uma ditadura cívico-militar, que assolou o país por muitos anos.” Assim Estela de Carlotto, presidenta da Associação de Avós da Praça de Maio começou sua apresentação no 1º Fórum Mundial do Pensamento Crítico, que acontece na 8ª Conferência da Clacso (Conselho Latino-americano de Ciências Sociais), em Buenos Aires. Ela lembrou o golpe de 1976, que derrubou Isabelita Perón e pôs a Argentina sob ditadura até 1983. “Temos que insistir em que seja o último golpe militar”, disse. “O mais grave e diabólico foi a destruição de toda uma sociedade opositora.”

Uma das pessoas que a ditadura argentina sequestrou e desapareceu, em 1977, era uma de suas filhas, Laura Estela Carlotto. Ela estava grávida de Guido (o nome que a mãe havia escolhido). Estela descobriu que sua filha tinha chegado a parir e que seu neto havia sido entregue a uma família pró-ditadura e sua identidade mudada. Procurou-o durante quase 36 anos, até que em 5 de agosto de 2014, depois de uma verificação de DNA seu neto foi identificado.

“Tive quatro filhos, Laura era muito ativa.Tínhamos muito medo do que estava ocorrendo e queríamos sair do país. E Laura disse que não, que seu projeto estava aqui e que ‘nossa morte não será em vão’. E não foi, veja o encontro de hoje, com 30 mil pessoas”, apontou. “Todos temos direitos, se perdemos, temos que encontrá-los.”

Estela contou como se deu a união com outras mães e avós que se juntaram para encontrar os desaparecidos. “São 41 anos de caminhada, nossa unidade não se acabou, seguimos sendo diferentes, mas unidas pelo amor e dor. Não deixamos de lutar um só dia. Seguimos lutando, mesmo com uma bengala, porque não nos ajoelhamos”, afirmou.

“Temos medo? Diria que não, enterrar uma filha tira todos os medos. Tive o privilégio, porque entregaram o corpo de Laura no mesmo dia de sua morte. Ninguém quer morrer, mas paralisarmos, abaixar os braços, jamais. Temos que seguir lutando, só a morte vai nos calar (e não sei). O melhor prêmio que temos é vemos nossos netos e netas crescerem e serem livres.”

Segundo Estela, até o momento foram identificados 128 netos de desaparecidos, que agora também participam da associação. A organização e outros grupos de defesa de direitos humanos da Argentina estimam que 30 mil pessoas tenham sido desaparecidas durante a ditadura. “Não queremos vingança ou revanche, não há ódio, há sede de lembrança, verdade e justiça.”

A ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres no governo de Dilma Rousseff, Eleonora Menicucci, participou do painel ao lado de Estela e lembrou que foi presa política por três anos quando lutava contra a ditadura militar no Brasil. Na época, sua filha tinha um ano e dez meses. “Saímos da prisão e continuamos a lutar pela memória, verdade e justiça. Costumo dizer que vivi dois golpes, mas em 1964 tínhamos um inimigo comum.”

Edição: Revista Fórum