Em palestra ministrada na tarde desta sexta-feira (26), na Universidade de Brasília (UnB), o filósofo Vladimir Safatle afirmou que o atual contexto político do Brasil resulta, entre outras coisas, da forma como o país conduziu o período pós-ditadura no que se refere aos apoiadores do regime.
Ele destacou o fato de o Estado ter anistiado, no passado recente, torturadores, ocultadores de cadáver, assassinos e outros agentes que colaboraram com a forte violência praticada na época.
“É claro que um país como esse só poderia produzir isso que estamos vendo agora. É um país onde se tortura mais hoje do que na época da ditadura militar, e isso não é uma metáfora”, disse, citando estudos de uma socióloga norte-americana que aponta o Brasil como destaque na América Latina nesse aspecto.
“Não houve depuração, ninguém foi responsabilizado pelos seus crimes. E o que acontece com este país é que ele começa a ter que se confrontar com as suas células dormentes que ficaram entocadas durante esses [últimos] trinta anos”, completou o filósofo.
Professor da Universidade de São Paulo (USP), Safatle esteve na UnB para participar de um evento intitulado “A ascensão do fascismo e os desafios da resistência democrática”, promovido pelas Brigadas Populares e pelo Centro Acadêmico de Filosofia (Cafil).
Diante de estudantes, professores e visitantes, Safatle refletiu ainda sobre as condições da democracia brasileira na história recente. O filósofo destacou que a fragilidade do sistema democrático pós-ditadura teria sido fundamental para o atual cenário de defesa de práticas autoritárias por parte de setores da população.
Mais uma vez ele trouxe à tona a relação do país com a memória histórica e destacou os prejuízos dessa fragilidade para o processo de construção de um futuro nacional.
“Vários imaginavam que estávamos falando de uma verdadeira democracia consolidada. No entanto, estávamos falando de uma democracia arcaica, precária e de fundo falso, que poderia cair a qualquer momento porque um país que não acerta suas contas com sua própria memória nunca vai conseguir de fato ter um presente, muito menos um futuro”.
Safatle abordou ainda a preocupação com o avanço da violência que vem a reboque de práticas identificadas com o fascismo. Ele destacou a opressão contra determinados segmentos, como a população LGBT, os indígenas e as mulheres feministas.
“Toda perspectiva fascista é baseada na insensibilidade absoluta em relação às classes mais vulneráveis, como se fosse possível fazer troça dessa violência reiterada que se repete de maneira absolutamente compulsiva”.
Por fim, o filósofo levou ao público uma palavra de alento, ressaltando a importância da união popular em torno dos sonhos coletivos.
“Eles podem acreditar que têm a força de nos amedrontar, que podem nos colocar diante do medo, mas eles vão rapidamente descobrir uma coisa: maiores do que o medo que eles têm e que eles acham que sejam capazes de produzir em nós são os nossos desejos. Eles, sim, mobilizam mutações e transformações que poucos são capazes de imaginar, mesmo diante da possibilidade das noites mais escuras”.
Vladimir Safatle encerrou a palestra falando da dimensão e da temporalidade da luta política. Ele afirmou que o cenário nacional exige a consciência de uma caminhada contínua contra o conservadorismo, numa projeção que vai além das disputas político-eleitorais.
“É uma luta que vai nos mobilizar durante muito tempo, de todas as formas, e mais do que isso: essa luta não vai ser desempenhada sozinha. Nós não estamos sozinhos. Podemos não ter mais as estruturas tradicionais em que acreditávamos, mas temos muito mais agora. Temos a consciência da radicalidade do que significa defender a forma de vida de cada um de vocês”, finalizou.
Edição: Diego Sartorato