“Mais uma canalha imunda, militante esquerdista. Quando Bolsonaro ganhar temos que combater esses canalhas com ferro e fogo, se é que me entendem. Sem misericórdia contra esses vagabundos”.
Essa é apenas uma das inúmeras mensagens que a jornalista Patrícia Campos Mello recebeu. A profissional é a autora da reportagem publicada pela Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (18) que denunciou possível caixa 2 na campanha presidencial de Jair Bolsonaro.
A matéria apresenta informações sobre a ação ilegal de empresas privadas que financiaram o disparo massivo de mensagens contra o Partido dos Trabalhadores (PT) via WhatsApp, com o objetivo de influenciar as eleições. A disseminação das informações falsas favoreceu o candidato do PSL.
Depois da publicação da reportagem, os eleitores favoráveis a Bolsonaro impulsionaram a hashtag #FolhaPutinhaDoPT no Twitter. “Militante travestida de jornalista, código de ética do jornalismo que é bom, usa apenas pra limpar a bunda tão suja quanto seu caráter”, escreveu um internauta. “Puta vagabunda”, escreveu outro.
Em repúdio às ofensivas contra Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha, organizações e entidades importantes como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Instituto Vladimir Herzog (IVH) condenaram as agressões.
“Patrícia Campos Mello é uma das mais importantes jornalistas do país. Repórter experiente, cobre relações internacionais, economia e direitos humanos há 18 anos. Cobriu conflitos como o da Síria e foi a única profissional brasileira a cobrir in loco a epidemia de Ebola em Serra Leoa em 2014 e 2015. A Abraji condena a ofensiva contra Patrícia Campos Mello. Retaliar jornalistas em função de sua atividade profissional não atinge apenas o(a) comunicador(a) em questão; traz prejuízos à sociedade como um todo, inclusive aos que praticam os ataques”, posicionou-se a Abraji, em nota.
Maria José Braga, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), afirma que a entidade também condena as agressões e, em repúdio, lançou nota conjunta com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo.
“Existe um candidato que faz apologia da violência. Isso está fazendo com que parte da sociedade encare a violência como forma de ação política. No caso do jornalismo, quem opta pela violência demonstra todo seu perfil antidemocrático. O jornalismo tem como função social exatamente levar a informação de interesse público para a sociedade, mas quem se sente de alguma forma prejudicado, acha que pode usar da violência para impedir que a sociedade tenha conhecimento dos fatos. Isso é muito grave e está exacerbado nessa eleição”, afirma Braga.
Para ela, é urgente que as autoridades brasileiras tomem providências contra as ameaças. A presidente da Fenaj também destaca que as agressões contra a jornalista em questão foram feitas, exclusivamente, por eleitores de Bolsonaro.
“Vários mandaram email para Fenaj pedindo investigação do comportamento ético da jornalista, em uma tentativa clara de intimidação, para que não se fale do candidato. É claramente um processo de intimidação, de tentativa de cerceamento da liberdade de imprensa. Ao fazer ameaças e dizer que pode sim ocorrer violência, estão tentando fazer com que a jornalista se cale”, critica.
Apesar das mensagens de ódio, Patrícia Campos Mello recebeu mensagens de apoio de outros profissionais.
“É uma das grandes repórteres desta geração. Já fez reportagens em zonas de guerra no Afeganistão, Síria, Iraque e Gaza. Cobriu a epidemia do ebola in loco em Serra Leoa. Foi correspondente em Washington. E faz uma ótima cobertura da eleição brasileira na Folha”, elogiou o Guga Chacra, correspondente internacional da Globo News.
Leonardo Sakamoto, outro jornalista usualmente perseguido e xingado nas redes sociais, também prestou apoio.
“Patrícia Campos Mello é a melhor repórter do país. Cobriu guerras, a epidemia de ebola, fez grandes investigações. Patrícia está sendo covardemente atacada após sua reportagem sobre o impulsionamento de mensagens no WhatsApp por empresários pró-Bolsonaro ser publicada. Num momento em que fatos perdem importância, quem não consegue debater com argumentos atua para exterminar o mensageiro. O toque de cinismo fica por conta do fato que editaram uma entrevista que ela concedeu, distorcendo o seu sentido, para atacá-la”, escreveu Sakamoto.
Entenda o caso
A reportagem publicada pela Folha informou que as empresas privadas estariam preparando uma grande operação de disseminação de mensagens via WhatsApp para a semana anterior ao segundo turno.
As companhias envolvidas utilizam a base de contatos vendida por agências de estratégia digital, assim como a base de contatos de Bolsonaro. No entanto, a lei só permite o uso de lista de apoiadores do próprio candidato, com contatos disponibilizados de forma voluntária.
Para disparar centenas de milhões de mensagens, cada contrato firmado chega a R$ 12 milhões. A prática é considerada ilegal, pois se configura como doação de campanha por empresas, proibida pela legislação eleitoral. Entre as compradoras do serviço, está a Havan, cujo dono, Luciano Hang, obrigou seus funcionários a votarem em Jair Bolsonaro.
Por ter sido beneficiado diretamente pelo envio ilegal dessas mensagens, Bolsonaro pode ter sua candidatura impugnada ou cassada, caso seja eleito. A punição pode acontecer mesmo se não for comprovada sua participação direta na ação.
Entre as agências responsáveis pelo “disparo em massa” estão a Quickmobile, a Yacows, Croc Services e SMS Market. No entanto, na prestação de contas de Bolsonaro consta apenas a empresa AM4 Brasil Inteligência Digital, que recebeu R$ 115 mil para mídias digitais.
O valor do serviço varia de R$ 0,08 a R$ 0,12 por disparo de mensagem para a base própria do candidato e de R$ 0,30 a R$ 0,40 quando a base é fornecida pela agência.
O PT entrou com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para que se investigue a chapa de Bolsonaro por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação.
Jornalistas em risco
A repórter especial da Folha de S. Paulo não é a única que sofre com agressões na profissão. A situação é alarmante: De acordo com relatório recente da Abraji, entre maio de 2017 ao início de outubro de 2018, período que compreende a cobertura das eleições, foram registrados 129 atos de violência contra profissionais da imprensa.
Do total, 98 ocorrências envolvem agressores ligados a candidaturas de direita. No caso dos 70 casos de ataques digitais e incitação de ódio pela internet, 67 partiram de militantes de direita, e, em relação aos registros de agressões física, 31 foram praticados por eles.
Edição: Daniel Giovanaz