Bruna Silva e Gláucia Santos. Mulheres, negras, mães que perderam seus filhos por conta da violência policial no Rio de Janeiro. Hoje, elas caminham juntas, ao lado de outras mães, denunciando a responsabilidade do Estado pela morte de seus filhos. Em entrevista ao Brasil de Fato, as duas comentam suas trajetórias de luta em busca de justiça.
No caminho para a escola, aos 14 anos de idade, Marcus Vinícius, filho de Bruna, foi alvejado com um tiro de fuzil no tórax durante operação policial na Favela da Maré em junho deste ano e não resistiu aos ferimentos. Fabrício dos Santos, filho de Gláucia, foi morto pela Polícia Militar do Rio no réveillon de 2014, após abastecer sua moto em um posto de gasolina. Dois jovens, negros, periféricos e inocentes.
“Mãe, eu tomei um tiro da polícia, mãe. O blindado não me viu com roupa de escola?”. Esse foi o questionamento que Marcus Vinícius fez a sua mãe antes de falecer e, desde então, todos os esforços de Bruna são para denunciar o assassinato de seu filho.
“Eles matam nossos filhos na comunidade e tem o dom de botar a vítima como criminoso, sendo que o criminoso é o próprio Estado. Eles falam que a bandidagem não respeitam a farda deles. A Polícia não respeitou a farda do meu filho", afirma Bruna, erguendo um uniforme de escola pública manchado de sangue, camisa que Marcos Vinícius usava no dia em que foi morto e que hoje é bandeira de luta de sua mãe.
O sentimento de indignação é compartilhado por Gláucia. Os policiais militares do Batalhão de Bangu (14º BPM) que atiraram em Fabrício no dia 31 de dezembro de 2014 indicaram no boletim de ocorrência que o jovem estava em um grupo, com outros dois suspeitos, em duas motos, e que ele teria disparado contra a patrulha, que, por sua vez, respondeu aos tiros.
Com muita persistência, Gláucia conseguiu as imagens que comprovam que o adolescente passou sozinho pelo posto de gasolina instantes antes de ser atingido. As câmeras de vigilância do local registraram o momento exato em que Fabrício foi perseguido e atingido com um tiro de fuzil na cabeça. Apesar das provas da inocência de seu filho, os policiais que praticaram a ação ainda aguardam julgamento em liberdade.
“Eu vi que era além de um simples policial que matou meu filho. Aquele policial tem alvará para matar. Principalmente jovem, negro e favelado”, ressalta Gláucia.
Intervenção militar
Marcus Vinícius não é a única vítima da intervenção militar no Rio de Janeiro, que teve inicio em fevereiro deste ano. De acordo com relatório da Comissão Popular da Verdade, somente em junho de 2018, mês em que o adolescente da Maré foi assassinado, as forças policiais mataram 60% mais pessoas em comparação ao mesmo mês no ano anterior.
Segundo levantamento apresentado pelo Observatório da Intervenção, após os militares assumirem a segurança pública do estado, houve um aumento no número de tiroteios. De 3.477 nos seis meses anteriores, as ocorrências chegaram a 4.850 nos seis meses pós-intervenção.
“Essa intervenção só está vindo para matar nossas crianças, dentro de casa, na rua, na calçada. Agora que intervenção é essa que só funciona pra gente? Naquele dia 20, meu filho ficou que nem um porco, tentando correr. Era blindado em terra dando tiro, águia dando tiro. Isso tem que parar, gente”, indigna-se Bruna.
Gláucia também critica de forma contundente a intervenção militar e as mortes decorrentes das ações do exército brasileiro nas favelas cariocas.
“A justiça só serve para a classe burguesa, dos endinheirados. Para a classe trabalhadora, serve a intervenção [militar], porque o Estado sabe que o poder tá na mão do povo” alerta. “Essa matança, essas chacinas nas favelas, é para nos parar. Para nos calar. Eu não paro. Enquanto eu viver, sou a voz do Fabrício e de toda essa juventude".
Ameaças
A atuação critica de Bruna Silva à intervenção militar por meio da denuncia do assassinato do seu filho a tornou alvo de perseguições. Em uma das vezes, um policial sentou ao seu lado no banco de ônibus, e, com uma arma à mostra, a apontou em sua direção, para intimidá-la.
Em outro momento, uma viatura a seguiu enquanto andava na rua. “A viatura veio tão rápido, que emparelhou no meu lado, no meio fio, na calçada. Os policiais falaram: 'Ei, para, garota, queremos falar com você'. Eu fingi que não ouvi e continuei andando", conta Bruna. "Quando eu vi que a viatura parou, as quatros portas se abriram, me veio na mente: 'Bruna, corre para você não ser mais um Amarildo na vida'".
Um policial que dirigia a viatura segurou o braço de Bruna, que conseguiu se desvencilhar. Em seguida, ela correu ao encontro de um jornalista que a entrevistaria, e, então, o tom da abordagem mudou. Apesar dos episódios, a mãe de Marcus Vinícius seguirá denunciando o assassinato de seu filho.
“Eles calaram nossos filhos, mas as mães ficaram. Polícia só põe medo em criança, nas mães ninguém põe medo. Ninguém põe medo em bicho mãe, não. Ninguém. Só eu sei o estrago que a polícia assassina fez no meu filho".
Assista às entrevistas de Bruna Silva e Gláucia Santos na íntegra, disponíveis no canal do Youtube do Brasil de Fato.
Edição: Diego Sartorato