O povo brasileiro tem direito a um Judiciário democrático, no qual os juízes estejam, de fato, subordinados à vontade do povo soberano e não usem o poder do Estado para que seus desejos e quereres tenham prevalência.
Mas os tempos que correm mostram que o povo não se reconhece neste Judiciário, na medida que não lhe atribui o requisito fundamental, que é a confiança. De acordo com o Índice de Confiança na Justiça no Brasil (ICJBrasil), divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2017, apenas 24% da população brasileira confia no Poder Judiciário. Pesquisa Datafolha de junho de 2017 revelou que 92% da população do Brasil avalia que a Justiça do país trata melhor os ricos do que os pobres.
Se pensarmos que um dos objetivos da República é erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades, é obrigatório concluir que o Judiciário está a quilômetros de distância disso. Na verdade, a mensagem que se está transmitindo é que o Judiciário visa atender os donos do poder econômico. Basta ver os dados produzidos pelo Conselho Nacional de Justiça no que diz respeito aos maiores litigantes (quem tem o maior número de processos) e aos temas majoritários das súmulas vinculantes (decisões do STF que devem ser seguidas por todos os juízes).
Na área penal, esta percepção é ainda maior pelo encarceramento massivo de uma população pobre, periférica e, majoritariamente, negra, somado ao gigantesco número de presos provisórios, que só vem aumentando após o julgamento do STF que relativizou o alcance do princípio da presunção de inocência. Esta decisão contrariou o texto da Constituição e, deste modo, feriu violentamente a segurança jurídica e a integridade do Direito.
O que mais choca a população é que tudo isto vem do guardião do sistema democrático, do Poder que tem o dever de salvaguardar o núcleo do Estado brasileiro, os direitos fundamentais, que não admite flexibilização alguma: o Judiciário.
A questão que o povo pergunta é: por que houve uma mudança de posição do STF pouco antes do julgamento do ex-presidente Lula? E por que, neste caso, a maioria dos ministros pensa de uma forma, mas julga de outra?
A democracia não pode ficar à mercê do tempo ou da vontade particular dos ministros do STF. Está na hora do Poder Judiciário conectar-se com as razões do povo brasileiro. Sem esquecer que o poder não lhe pertence: o dono é o povo soberano. Respeitemos.
* Desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo e cofundadora da Associação Juízes para a Democracia (AJD), além de membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Campanha
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) lançou, no dia 16 de julho, um abaixo-assinado em defesa da presunção de inocência. A iniciativa faz parte de uma campanha em torno da garantia deste princípio e pretende mobilizar outros setores da sociedade. O resultado da coleta de assinaturas, uma das principais atividades da campanha, será entregue ao STF em setembro.
A ABJD é uma associação nacional de juristas criada para reagir e combater a retirada de direitos fundamentais e defender o Estado Democrático de Direito. A associação é uma proposta de unidade entre diversas categorias de juristas. Entre eles, estão juízes,desembargadores, advogados, defensores públicos, professores, servidores do sistema de Justiça, promotores, procuradores estaduais e municipais e estudantes de Direito.
Em parceira com a ABJD, o Brasil de Fato lançou, neste mês de agosto, um tabloide especial sobre o tema. Confira:
Edição: Thalles Gomes