“Nem presas, nem mortas. Queremos nossas mulheres vivas, por um país justo, democrático e laico”. Com essa frase, Maria José Rosado Nunes, socióloga e presidenta do coletivo Católicas pelo Direito de Decidir, finalizou sua argumentação na segunda audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) que analisa o tema da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. As audiências tiveram início na última sexta (3) e continuaram na manhã desta segunda-feira (6).
As sessões de discussão no Supremo são parte do processo de julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442, protocolada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2017, que pede a exclusão dos artigos 124 e 126 do Código Penal, referentes ao crime de interrupção da gravidez para as mulheres que abortam quanto e para quem as ajude no processo.
O grupo Católicas pelo Direito de Decidir, movimento político internacional que se articula por meio de organizações não-governamentais em 12 países pelo mundo, está entre as 53 entidades e pessoas escolhidas para exporem seu posicionamento sobre o tema nas audiências, seja contra ou a favor.
A ONG tem como objetivo construir um discurso ético-teológico feminista pela defesa da autonomia das mulheres, da diversidade sexual e da Justiça social. Rosado Nunes foi contundente ao discordar do uso de argumentos jurídicos e científicos para a implementação de uma agenda moral religiosa.
“É um dever ético da sociedade reconhecer as mulheres como agentes morais de plenos direitos, com capacidade de escolha e decisão”, disse Nunes. “Imoral é o que outros decidam o que nós mulheres podemos fazer com nossos corpos e nossos direitos reprodutivos”, complementou.
Clandestinas
Realizada em 2016 pelo Instituto Anis, a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) mostrou que entre as mulheres que abortam, 56% são católicas e 25% de protestantes ou evangélicas. Além disso, 67% já tinha filhos.
O estudo também mostrou que o índice de aborto provocado por mulheres negras é 3,5% maior do que o de mulheres brancas, ou seja, o índice de mortes decorrentes de abortos clandestinos também é maior entre as negras.
Em nota técnica sobre a ADPF 442, o Ministério da Saúde afirmou que as “evidências apontam que a ilegalidade da interrupção voluntária da gestação não impede sua prática pelas mulheres”.
Rosângela Talib, integrante da coordenação das Católicas pelo Direito de Decidir, explica o entendimento do grupo sobre o tema.
“Existe uma máxima na Igreja Católica que diz que onde há dúvida, há possibilidade de discussão. O melhor caminho nesse momento, é o fiel seguir sua consciência esclarecida”, diz Rosângela. “Defendemos os direitos das mulheres decidirem por meio de sua consciência qual é o melhor caminho, principalmente porque acreditamos que nós, mulheres, temos capacidade moral e ética para decidir sobre esse assunto”.
Talib acredita que a Igreja Católica não deve assumir uma postura punitivista e critica o discurso de que há uma unanimidade de posição sobre o tema, pois, segundo ela, existem teólogos morais que defendem o direito da mulher decidir sobre sua vida reprodutiva.
“Nós não achamos que a Igreja tem como papel ou função a condenação. Na verdade, o que as mulheres precisam nesse momento é de acolhimento e compreensão. Nós entendemos que essa é uma questão de saúde pública. Não é possível que as mulheres continuem morrendo por uma prática que é completamente evitável. Uma morte de uma mulher em uma situação dessa é injustificável”.
Estado laico
Um argumento central utilizado pelos favoráveis à descriminalização do aborto é a defesa da laicidade do Estado brasileiro, prevista na Constituição Federal de 1988. Em sua fala, Rosado Nunes destacou de forma vigorosa que crenças pessoais e religiosas não podem ser superiores aos ordenamentos jurídicos e ao direito à vida.
Rosângela reforça a opinião.“O estado deve ser laico. Isso não significa que o Estado não respeite as religiões, pelo contrário. Quanto mais laico o Estado, mas haverá o respeito a todas as religiões e todos os credos.“Só por meio da laicidade do Estado que poderemos ter políticas públicas que acolham as necessidades dos cidadãos e cidadãs”.
De acordo com a coordenadora da ONG, a sociedade brasileira ainda é extremamente patriarcal e há, por parte do Estado, tentativas permanentes do controle efetivo das mulheres e de sua sexualidade.
“O que defendemos é que o Estado garanta à população informação e direitos. Sabemos que existem hospitais que estão na mão de organizações religiosas que não oferecem laqueadura, pílula do dia seguinte, e onde há dificuldade, inclusive, de fazer o aborto permitido por lei”, critica Rosângela.
Atualmente, o procedimento abortivo não é considerado crime quando a gravidez é resultado de estupro, quando há risco de vida para a mulher e em casos de anencefalia.
Entre as principais entidades que fizeram exposição em defesa da descriminalização do aborto estão a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e a Conectas Direitos Humanos, entre outras organizações.
Edição: Juca Guimarães