Podcast

Repórter SUS | A descriminalização do aborto em debate

Pesquisadora apresenta dados que relacionam a gravidez não planejada com agravos à saúde mental de mulheres e crianças

Ouça o áudio:

Manifestantes fazem ato em defesa da descriminalização do aborto em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília
Manifestantes fazem ato em defesa da descriminalização do aborto em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília - FOTO: Fabio R. Pozzebom / Ag. Brasil
Pesquisadora apresenta dados que relacionam a gravidez não planejada com agravos à saúde mental de mulheres e crianças

Eliminar a criminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Esse é o tema de duas audiências realizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), reunindo representantes de mais de 40 organizações nacionais e internacionais de diversos setores envolvidos na questão. O objetivo é que o exposto nas audiências municie os ministros do STF para a decisão sobre o assunto. A descriminalização do aborto é objeto de uma ação do PSol, ajuizada em março de 2017.

Um levantamento nacional sobre o aborto apontou que aproximadamente uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já realizou o procedimento pelo menos uma vez. A estimativa é que 503 mil mulheres interromperam a gestação no ano de 2016. Segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2008 e 2017, mais de 2 milhões de mulheres tiveram de ser internadas por complicações de abortos realizados de forma insegura. E entre 2000 e 2016, pelo menos 4.400 mulheres morreram por conta de complicações.

No Brasil, a interrupção da gravidez é crime pelo Código Penal, com penas de 3 anos de prisão para as mulheres, e de até 4 anos para o médico que realizar o procedimento. A legislação brasileira permite a realização de abortos apenas para os casos em que a gravidez represente risco de vida para a mulher, quando o feto é anencéfalo, ou em casos de estupro. No entanto, as mulheres ainda encontram muita dificuldade para a garantia do aborto legal no SUS.

O Repórter SUS, uma parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), traz a pesquisadora Mariza Theme, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, que está em Brasília acompanhando os debates no STF e apresenta os resultados de pesquisas que relacionam a gravidez indesejada ou não planejada com inúmeros agravos à saúde mental de mulheres e também de crianças.

Confiram trechos da entrevista:

Toda a mulher está em risco de uma gravidez não planejada e isso acontece e não é algo específico do Brasil. Ela acontece no mundo inteiro. A falha na contracepção pode ser atribuída a vários fatores: a problemas do próprio método, a questões mais amplas de cunho social, cunho cultural, e ao criminalizar a interrupção voluntária de uma gravidez, é importante discutirmos o impacto.

Quando a interrupção não é feita, o reflexo que ela tem sobre a saúde da mulher e sobre a relação que vai estabelecer com esse bebê. Esse é um tópico pouco abordado, quando se discute a questão da descriminalização do aborto.

No Brasil, mais de 90% das mulheres conhecem pelo menos um método contraceptivo, no entanto a gente tem um percentual muito alto de gravidez não planejada. Então, a primeira discussão é: o que está acontecendo a respeito da orientação da contracepção?

Gravidez não planejada

A partir disso, falo um pouco dos dados da pesquisa feita no Brasil, que foi a campo entre 2011 e 2012, quando encontramos essa taxa de 55% de mulheres que não desejavam essa gravidez. É um dado muito impactante, porque essas mulheres foram entrevistadas na maternidade. Elas estavam com seus filhos na maternidade e não hesitaram em dizer que aquela gestação não foi planejada.

Dessas que não planejaram, 65% não desejavam engravidar agora, mas havia uma perspectiva para o futuro. Outras 30% não queriam engravidar em hipótese nenhuma, deste total quase 30% tentou interromper esse ciclo da maneira mais dramática, com enorme iniquidade que a gente encontra. Porque as mulheres que não planejam a gestação, e que desejam interromper, são aquelas que estão em situação de maior vulnerabilidade social, jovens pretas e pardas, sem companheiro, desempregadas.

Essa história do planejamento da gravidez tem uma desigualdade muito grande. As mulheres brancas que têm companheiros, que trabalham, que estão na sua primeira gestação, essas têm muito mais facilidade de decidir o momento certo da sua gravidez do que as mulheres que estão em desvantagem social.

Transtorno mental

O problema é que essas mulheres que não desejam engravidar tem chance 40% maior de desenvolver um transtorno mental, particularmente a depressão.

Nós encontramos no Nascer no Brasil [Inquérito Nacional sobre parto e nascimento], das 24 mil mulheres entrevistadas, 26% apresentaram depressão pós-parto. O que significa dizer uma em cada quatro mulheres entrevistadas tinham sintomas de depressão pós-parto.

O problema da depressão pós-parto é que, além do comprometimento da saúde da mulher, podendo até ter riscos de suicídio, a depressão tem um impacto muito grande sobre a relação da mãe com o seu bebê. O que a gente encontra, quando o estabelecimento desse vínculo não se faz de forma adequada, é um comprometimento do desenvolvimento dessa criança também.

Constatamos que quando há uma criminalização da interrupção voluntária da gestação, o que ocorre é que estamos condenando um contingente enorme de mulheres a uma carga muito grande de sofrimento.

Papel do SUS
Temos que adotar políticas de apoio, de compromissos financeiros, para garantir a essas mulheres o pleno direito à saúde sexual e reprodutiva. Garantir oferta e aconselhamento sobre os métodos contraceptivos, incluindo a contracepção de emergência, aconselhamento preciso sobre planejamento familiar, investimento na formação de profissionais de saúde, o planejamento da fecundidade, que é bastante complexa. E, finalmente, a gente tem que pensar o acesso a métodos para interrupção da gestação, como o aborto legal, seguro, gratuito, porque somente dessa forma a gente vai conseguir respeitar os direitos sexuais e reprodutivos para todas as mulheres do Brasil.

Porque as mulheres mais ricas quando querem interromper a sua gestação, elas o fazem de forma segura. Esse risco elas não correm.

Edição: Cecília Figueiredo