A intervenção federal militar no Rio de Janeiro completa um mês nesta sexta-feira (16), apenas dois dias após o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol). Cenas como crianças tendo suas mochilas revistadas antes de entrarem na escola e moradores das favelas serem fotografados segurando a identidade para circular pela cidade se tornaram corriqueiras e exemplificam a arbitrariedade da ações militares desde a intervenção.
Para Filipe dos Anjos, secretário geral da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Farferj), essas mudanças na rotina das favelas mostram que o principal interesse do Estado com a intervenção não é a garantia da segurança da população.
"É uma intervenção política, de um governo impopular, inimigo do povo, que não passou pelas urnas. Um governo que está no poder sobre um golpe, que usa os militares porque setores da sociedade acreditam que a raiz da insegurança pública está nas favelas. Nós denunciamos o contrário. Para muitos políticos, a questão da violência gera capital político, a violência sempre foi uma forma de dominação nas favelas, essa violência que compra mais armas, viaturas, policiais... E o social está ficando de lado", denunciou.
O propósito da intervenção também é questionado pelo Deputado Federal Wadih Damous (PT-RJ), que destacou um recrudescimento da violência no estado no último mês.
"Não se sabe qual é o objetivo estratégico [da intervenção]. Se era para substituir a polícia no combate à insegurança, ela é um fracasso total. Porque na semana passada pessoas foram metralhadas na Praça São Salvador, por exemplo. Vem se sucedendo episódios de assassinatos, mortes por bala perdida, enfim, o cotidiano que todo mundo conhece no Rio de Janeiro. Acho até que se agravou depois da intervenção", opinou.
Levantamento
A plataforma Fogo Cruzado, desenvolvida como uma ferramenta de mapeamento coletivo de tiroteios e disparos de armas de fogo no Rio de Janeiro, apontou, em relatório divulgado nesta quinta-feira (15), um aumento nos homicídios a tiros desde que o governo do presidente golpista Michel Temer (MDB) decretou a intervenção.
Os dados, uma compilação de levantamentos de usuários da plataforma, da imprensa e dos canais oficiais da Polícia Militar, mostra que foram 149 assassinatos em tiroteios no último mês, contra 126 entre 15 de janeiro e 16 de fevereiro deste ano. Os tiroteios com a presença de um agente de segurança representam 133 do número total deste mês. Entre janeiro e fevereiro, o número foi 106.
Para Paula Napolião, analista de dados do Fogo Cruzado, ainda é cedo para tirar conclusões sobre o aumento da violência armada, no entanto, ela destaca os casos de violações de direitos dos moradores de favelas como consequência da intervenção.
"A gente vai ter que aguardar um pouco mais para conseguir falar algo de concreto sobre a consequência da intervenção para a violência armada, mas o que a gente vê de cara são os casos, como o na Vila Kennedy, em que a população tem o direito de ir e vir, de circular, afetado, por conta dessa operações militarizadas e não preparadas para lidar com a sociedade civil. O que precisamos fazer como sociedade civil é acompanhar essas situações de perto para que não haja nenhuma violação dos direitos dos moradores nessas áreas", afirmou.
Segundo Filipe dos Anjos, a atuação da Polícia Militar como um braço armado do Estado para realizar extermínios sempre aconteceu nas favelas. Ele acredita, porém, que a intervenção federal traz mais impunidade a essa realidade.
"[A favela de] Acari, por exemplo, como Mariella denunciou [dias antes de ser assassinada], está sendo alvo de muitas operações que o próprio batalhão da área não reconhece, operações ilegais, e os moradores questionam essa mudança da intervenção federal para a polícia, porque não vêem muita mudança. Mas a gente vê sim mudança, porque é uma intervenção que vem e passou pelo crivo do Senado e da Câmara, direcionada às favelas, depois de não cumprir uma agenda de reforma da Previdência, de um governo que tem a pior aprovação da história do Brasil. Tudo isso está ligado, e a gente está muito preocupado", apontou.
Contatada pelo Brasil de Fato, a assessoria de imprensa do Instituto de Segurança Pública da Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, responsável pelos mapeamento de dados sobre a violência no estado, afirmou que ainda não possui estatísticas atualizadas do último mês.
Edição: Nina Fideles