Após anos de perseguição e ameaças por causa da militância contra a instalação de uma barragem em território do povo indígena Lenca, a líder comunitária Berta Cáceres foi assassinada por mercenários no dia 2 de março de 2016. Dois anos depois, os familiares, a comunidade onde morava e movimentos populares da América Latina continuam exigindo justiça pelo crime.
Cáceres, coordenadora do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH), defendia o território lenca e o rio Gualcarque, considerado sagrado por esse povo indígena. Ela enfrentou interesses poderosos envolvidos na construção da barragem hidrelétrica de Água Zarca: o projeto contava com o financiamento do FMO (o banco de desenvolvimento dos Países Baixos), com US$ 15 milhões; o FinnFund (fundo finlandês de cooperação industrial), com US$5 milhões, e o BCIE (Banco Centro-americano de Integração Econômica) com US$ 24,4 milhões.
Em julho de 2017, o FMO e o FinnFund abandonaram o projeto devido às pressões e denúncias realizadas pelos movimentos populares hondurenhos. À época, o COPINH considerou a retirada das instituições financeiras uma medida insuficiente, denunciando que “não se consideram responsáveis pela morte e violações de direitos humanos que resultaram do projeto". Eles ressaltaram ainda que continuariam "exigindo que os bancos reconheçam suas responsabilidades e que peçam perdão às comunidades atingidas e ao COPINH, algo que têm se negado fazer”.
Pelo crime, foram presas oito pessoas, incluindo militares reformados e empregados da empresa Desarrollo Energéticos (DESA), responsável pelo projeto. No entanto, os familiares de Berta e o COPINH exigem que os mandantes do crime sejam responsabilizados.
Em novembro de 2017, o Grupo Assessor Internacional de Especialistas publicou o relatório Barragem de Violência – O plano que assassinou Berta Cáceres, onde conclui que funcionários do governo hondurenho e empresários da DESA estavam envolvidos no crime. O grupo é formado por especialistas em direito internacional, direitos humanos, direito penal internacional e direito penal comparado, e realizou uma análise independente sobre o caso da militante lenca.
Papel dos Estados Unidos
O COPINH iniciou ainda uma campanha pública para que o povo estadunidense pressione o Congresso do país para aprovar o projeto de lei Berta Cáceres, que visa a suspensão do financiamento por parte dos EUA, do exército e das forças de repressão hondurenhas, “como medida necessária para acabar com a situação de repressão e terror em que vive Honduras”, como afirma a organização em um comunicado.
Movimentos e partidos de esquerda denunciaram a participação do governo estadunidense no golpe de Estado de 2009 cometido contra o presidente hondurenho Manuel Zelaya. A partir desse momento, as violações aos direitos humanos de ativistas e trabalhadores da comunicação têm se tornado das mais graves da região latino-americana.
Em relação à participação dos EUA no golpe, a própria secretária de estado na época, Hillary Clinton, afirmou em sua autobiografia Hard Choices ("Decisões difíceis"), que o líder do Congresso hondurenho, Roberto Micheletti (que tornou-se presidente após o golpe), “afirmou estar protegendo a democracia hondurenha contra o a tentativa ilegal de Zelaya adquirir mais poder, e advertiu que queria se tornar outro Chávez ou Castro”.
"Certamente, a região não precisava de outro ditador, e muitos conheciam Zelaya o suficiente para acreditar nas acusações contra ele", conclui Clinton em sua biografia.
Nesta quinta-feira (1), deputados da oposição hondurenha se manifestaram na frente do Congresso Nacional exigindo justiça por Berta Cáceres e o cancelamento da concessão do projeto hidrelétrico Água Zarca.
No Brasil, movimentos populares do campo, também se somaram aos pedidos de justiça pela militante hondurenha, entre eles o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), que destacou Berta como "exemplo de resistência popular ao avanço desenfreado do capitalismo."
Edição: Camila Salmazio