O ano de 2018 começou mais uma vez com reajustes nas passagens de ônibus, metrô e trens na cidade de São Paulo. De acordo com André Pasti, da Associação de Geógrafos do Brasil (AGB), "há oito vezes mais incentivos para o transporte individual do que no transporte público".
O reajuste deste ano foi de 5,6%, fazendo com que o bilhete de R$3,8 custe agora R$ 4. O aumento, que começou a vigorar no primeiro domingo do ano, foi feito por meio de parceria entre o governo do estado, de Geraldo Alckmin e da Prefeitura, de João Dória, ambos do PSDB.
Movimentos populares organizaram atos em repúdio ao aumento, entre eles o Movimento Passe Livre (MPL). De acordo com o movimento, cerca de 10 mil pessoas participaram do ato. Ao final, a ação foi reprimida pela PM.
Confira a entrevista com André Pasti sobre mobilidade urbana e o custeio da passagem feito pelo trabalhador e pela trabalhadora assalariados:
Brasil de Fato: Por que pagamos tanto no transporte público? Dá pra ele ser mais barato? E no mundo inteiro é assim?
André Pasti: Isso é muito importante, porque a gente paga muito no transporte público no Brasil e a gente às vezes nem questiona a maneira como ele é cobrado. Hoje a gente tem uma lógica que cobra do usuário a cada uso, a tal da catraca que a gente já está familiarizado no transporte.
A forma como o serviço de transporte é contratado, com este custo por passageiro, é uma das coisas que causa esse valor muito alto da tarifa, que acaba excluindo muitas pessoas de circular na cidade. Então, isso não é assim em todo lugar do mundo. Nós temos vários países no mundo onde a tarifa para quem usa o transporte é gratuita e isso não significa que o transporte seja gratuito, ele tem que ser pago, mas ele é pago com outros recursos, com outros fundos, com outras fontes de recursos que a gente tem dos impostos que pagamos. É possível ter um outro transporte, que não seja caro ou que seja até gratuito para o usuário que circula nos ônibus e metrôs aí da cidade.
Quem mora na periferia da cidade acaba pagando mais pelo transporte público?
Sim, isso é uma coisa importante da gente notar. Hoje a nossa cidade ela está toda errada, neste sentido. Quem mora mais longe, quem mora na periferia, acaba precisando de mais transporte, acaba pagando mais do que as pessoas que moram no centro da cidade. Às vezes a integração nem sempre é possível fazer de forma a pagar menos tarifas e isso também acaba encarecendo e, proporcionalmente ao que ganham, as trabalhadoras e trabalhadores das periferias da cidade pagam mais tarifa no transporte.
Assim, o aumento os penaliza muito, ele chega muito pior para as pessoas que moram nas periferias da cidade e que já vivem mais trânsito, já demoram mais pra se locomover para o trabalho e também acabam sendo os mais penalizados.
Quem ganha com o aumento da passagem de ônibus?
Quem ganha mesmo com o aumento da passagem de ônibus são as empresas, os empresários do transporte. Eles sempre usam argumentos como a necessidade de pagar mais para os trabalhadores do transporte, mas eles já recebem uma quantia muito elevada, além da tarifa, de repasses das prefeituras.
Isso acontece nas grandes cidades do Brasil, em geral, onde as Prefeituras subsidiam o transporte. Significa que elas pagam além da tarifa um valor alto para as empresas de transporte. As empresas sempre fazem pressão para que a arrecadação delas seja maior, para que o lucro delas, que é altíssimo, também aumente, a partir do aumento da tarifa. Além das empresas, ganham também políticos que estão ligados a elas, que por muitos anos foram eleitos com 'doações' que não são doações, de recursos dessas empresas, dinheiro dessas empresas, que veio na verdade do nosso bolso, que veio como tarifa do transporte público.
Qual é a responsabilidade do governo? E como poderia ser diferente?
Podia ser muito diferente. Só pra dar uma ideia sobre isso, da responsabilidade dos governos, tem um estudo sobre o investimento em transporte no Brasil que mostra que há oito vezes mais incentivos do dinheiro público sendo usados para incentivar o transporte individual, que é o carro, do que com o transporte coletivo, público.
Se a gente começar a inverter isso, se os governantes invertessem os investimentos para privilegiar o transporte coletivo e público, com o compromisso de que as pessoas pudessem participar das decisões sobre o transporte e decidir os rumos dos nossos transporte público, sobre onde precisa de mais ônibus, onde a linha precisa melhorar... Tudo isso são responsabilidades do governo.
Edição: Vanessa Martina Silva