A violenta e extraordinariamente danosa agressão imposta a terra pelos venenos agrícolas, responsáveis por consequências de difícil – por vezes irrecuperável – sustentabilidade do meio ambiente natural, tem sido denunciada e combatida em todo o mundo, inclusive por sucessivas declarações da ONU, realizadas em 1972 (Estocolmo), Rio 92 e Rio + 20, essa em 2012, ambas no Rio de Janeiro.
Estudos científicos sustentados em números comprovados da evolução perniciosa dessa realidade, o aquecimento progressivo da temperatura do planeta, com efeito sobre as coletas polares, aumento do nível dos mares, florestas cedendo lugar a desertos, espécies de fauna e flora sendo extintas, manifestações massivas de protesto contrário à crescente poluição da terra, das águas e do ar, dão sinais do inquestionável e urgente enfrentamento efetivo desses males.
Os vários livros deste conhecido escritor Leonardo Boff, dedicado ao estudo de questão desta importância, como “Ecologia Mundialização Espiritualidade” (São Paulo: Ática, 1993), “Ética da vida” (Brasilia: Letra viva, 1999), “Ethos mundial” (Brasilia: Letra viva, 2000), “Saber Cuidar” (Petrópolis: Vozes, 2001), “O cuidado necessário” (Rio de Janeiro: Vozes, 2012) e filmes, como os de Silvio Tendler, “O veneno está na mesa I” de 2011, e o II, de 2014, “Uma verdade inconveniente” de Al Gore (2006), nos Estados Unidos, estão entre as muitas obras de estudo e arte que procuram apontar caminhos, providências inadiáveis de proteção da natureza, em todos os níveis de exercício de poderes sejam públicos, sejam privados.
Desse clamor universal, contudo, parece que o nosso país vem testemunhando uma surdez surpreendente e lamentável. Sobre a recente liberação do Benzoato de Emamectina por aqui, publicada no Diário Oficial da União de 6 deste novembro, um agrotóxico destinado prioritariamente para eliminar lagartas, o site do IHU notícias, publicado dia 21 deste mesmo mês, entrevistou o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul que, entre outras qualificações, é um conhecido defensor da agroecologia.
Suas advertências sobre o agrotóxico agora liberado, são preocupantes, considerada e a forma pouco discutida e, por isso mesmo, mal explicada pela Anvisa (Agência nacional de vigilância sanitária), depois de uma decisão contrária dela própria à aplicação deste veneno no país; mudou de opinião e autorizou o seu uso, embora tivesse reconhecido antes que a sua aplicação poderia causar “danos importantes sobre o sistema nervoso central”, como denuncia Melgarejo:
“A prioridade à morte das lagartas, a despeito das ameaças à saúde da população, é por demais desrespeitosa para ser aceita.” {…} “Podem ocorrer problemas sutis, como dificuldade de aprendizado, elevação no índice de acidentes e quadros de depressão. Podemos esperar alteração nos índices de acidentes e de tragédias entre as famílias de operadores rurais e mesmo de habitantes de regiões onde o veneno vier a ser aplicado”. {…} “Isto decorre de um fundamento: as forças que dirigem e apoiam este governo não consideram os direitos humanos como mais relevantes do que os direitos ao lucro.”
O Brasil se encontra no topo do ranking mundial de consumo dos agrotóxicos, uma condição nada invejável para qualquer nação minimamente interessada em defender seu território e o seu povo. De acordo com a mesma notícia, Melgarejo apresenta vários motivos que explicam esta posição e diz o que teria de ser feito para superar o problema:
“... o Brasil teria que mudar o modelo produtivo e reduzir o tamanho das lavouras. Em outras palavras: reforma agrária e políticas de apoio à agroecologia.” Ele diz que quem ganha com o que hoje existe é a indústria química. “Ela é a base do agronegócio, deste modelo que domina nosso governo e nosso território.” Melgarejo resume assim a composição de forças e interesses: “O governo não é complacente com o agronegócio. O agronegócio está no governo. O agronegócio é o governo”.
Em outras palavras, uma crítica como esta, num contexto mais abrangente, já tinha sido antecipada por Boff em “O cuidado necessário”, quando ele mostra que a dependência de uma vida de bem-estar para o ser humano não pode ser impedida por interesses tão mesquinhos e individualizados como os do agronegócio predador, da indústria química, da bancada ruralista presente no Congresso nacional e de todos os agentes políticos, grupos econômicos enfim, indiferentes aos efeitos sobre a terra que seus negócios possam ter:
“A Terra nunca mais será virgem. Para sempre trará em seu ser a marca da presença humana. De certa forma, nós a hominizamos. Mas essa nossa presença nem sempre foi benéfica. Ela tem sido, especialmente nos últimos decênios , terrivelmente agressiva para com todos os ecossistemas. Não obstante estas contradições, temos ajudado a Terra a mostrar suas capacidades e virtualidades escondidas. E hoje, mais do que nunca, devemos cuidar dela como de nossa mãe, com desvelo, com respeito aos seus limites, com compaixão por suas dores e com amor por sua saúde” (página 265)
Uma Terra “hominizada” assim, maternal, pede um tratamento rigorosamente carinhoso e responsável. Ela não pode voltar a ser explorada como outrora se explorava a/o escravo, um ser humano sujeitado a outrem como uma coisa para ser posta a venda como mercadoria. Um retrocesso social desse porte não pode ser aceito nem pela terra nem pelo seu povo. A licença para submetê-la a mais este veneno, pois, como agora acontece no Brasil, revela o tamanho e a insensatez do poder econômico-político atualmente mandando por aqui. Capaz de eliminar a sua própria mãe, não hesita em deixar órfãs/ãos de território e vida as suas próprias filhas e filhos. Da Procuradoria da República,como de todo o Poder Judiciário, espera-se pronta e eficaz providência capaz de impedir essa insanidade.
(*) Jacques Távora Alfonsin é advogado, mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, onde também foi professor, e procurador aposentado do Rio Grande do Sul.
Edição: Simone Freire