Encarceramento

Jovens com pais presos são mais vulneráveis ao tráfico, dizem especialistas

Seminário em SP debate políticas públicas para romper "ciclo de vulnerabilidade" gerado por detenção de familiares

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Movimentos estimam que ao menos 200 mil crianças tenham pais ou familiares próximos encarcerados no Brasil
Movimentos estimam que ao menos 200 mil crianças tenham pais ou familiares próximos encarcerados no Brasil - João Marcos Buch

A prisão de uma pessoa adulta da família gera um ciclo de vulnerabilidade em crianças e adolescentes, que vai do aumento do trabalho infantil ao aliciamento de jovens para o tráfico. A afirmação é Marco Antonio da Silva, que é coordenador nacional do Movimento de Meninos e Meninas de Rua e membro Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).

Silva afirma que o cárcere de um adulto que seja referência familiar para a criança impacta na reorganização econômica da família, já que é preciso criar novas formas de renda familiar. "Em muitos casos, os adolescentes mais velhos têm que assumir muitas vezes a tarefa que era do pai, de ajudar na educação dos outros irmãos; há o aumento do trabalho infantil, porque os adolescentes e crianças nestas buscas de tentar repor o impacto econômico e uma forma de ganhar dinheiro é no trabalho informal; é uma rede de impacto."

Ele aponta também situações em que os jovens "herdam" a responsabilidade no crime: "Tem casos em que esses jovens são aliciados para ocupar o lugar do pai, quando ele estava envolvido em atividades ilícitas".

Para ele, esses são alguns dos efeitos colaterais de uma política de encarceramento em massa. O Brasil tem a quarta população carcerária do mundo. Em 2014, último dado divulgado pelo Ministério da Justiça, o número de pessoas presas era de superior a 622 mil pessoas. 

"Por trás de uma pessoa detida você tem uma família que termina sendo encarcerada de várias formas. Objetivamente ou subjetivamente ela está encarcerada", afirmou o conselheiro do CNDH.

Djalma Costa, secretário-executivo do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca), em Interlagos, bairro da Zona Sul da cidade de São Paulo, pondera que a população de crianças nessa situação é numerosa, mas ainda desconhecida: "A gente imagina que a cada dez presos, pelo menos a metade deles tem filhos que foram deixados para trás", disse. 

Djalma pontua também a estigmatização social desses jovens: "Há uma série de impactos sociais e culturais que envolvem essas crianças que estão lidando com esse tipo de problemática. A gente tem experiência que crianças que sofreram um impacto dessa natureza e que param de falar. Isso não é comum, mas acontece. Ou quando ela não para de falar, ela se retrai. O mundo passa a ser uma ameaça efetiva para ela." 

Para enfrentar isso, o secretário-executivo do Cedeca aponta que o caminho é estabelecer o apoio psicossocial, com auxílio de profissionais interdisciplinares, do psicólogo ao arte-educador, com o objetivo de retomar o relacionamento  da criança com seu grupo social. Para isso, ele pondera a necessidade de integração entre os centros de defesa da criança e Centros de Atenção Psicossocial (CAPs).

Evento

Sob essa perspectiva e com o lema "Invisíveis até quando?", entidades e movimentos que compõem a Plataforma de Niños, Niñas y Adolescentes con Padres Encarcelados (NNAPE) organizam o 1º Seminário Nacional Sobre Crianças e Adolescentes com Familiares Encarcerados, no Memorial da América Latina, centro de São Paulo (SP). O evento vai ocorrer nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro.

No segundo dia do seminário, as entidades que organizam o evento vão apresentar um documento síntese da situação das crianças que têm familiares encarcerados. Os organizadores também convocaram organizações sociais, como a OAB, o Conselho Federal de Psicologia, a Defensoria Pública e o Ministério Público, para se posicionar sobre a agenda. 

Edição: Vanessa Martina Silva