A Pastoral Carcerária Nacional apresentou, nesta quinta-feira (13), uma representação ao procurador-Geral da República Augusto Aras e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o presidente Jair Bolsonaro pela veiculação de uma propaganda que diz que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi o mais votado nos presídios do país, associando o petista a um cenário de violência no país.
"Sabe onde Lula teve mais votos no primeiro turno das eleições? Nas cadeias e nos presídios do Brasil", diz a apresentadora do programa eleitoral do atual mandatário.
Mayra Balan, advogada da Pastoral Carcerária Nacional, afirma que a propaganda eleitoral é apenas uma representação de como funciona o governo Bolsonaro em relação à população carcerária. A advogada lembrou da reação do presidente à morte de quatro detentos que estavam sendo transportados de Altamira para Belém, no Pará, em julho de 2019. "Pessoal, problemas acontecem, está certo?", disse o mandatário quando questionado sobre as mortes por jornalistas.
Na mesma ocasião, Bolsonaro pediu para os jornalistas perguntassem para as "vítimas dos que morreram" no massacre ocorrido no presídio de Altamira. "Pergunta para as vítimas dos que morreram lá o que que eles acham. Depois que eles responderem, eu respondo vocês", disse o presidente. No confronto entre duas facções, 57 pessoas morreram.
“O governo Bolsonaro faz e deixa morrer as pessoas presas. Ele entende como se não fossem vidas dignas, dignas de luto, digna perdão. Dentro de todo o mandato do presidente Jair Bolsonaro, houve uma negação do direito das pessoas presas. Essa propaganda só mostra quanto as pessoas presas são vistas como pessoas indignas”, afirma Balan. “Ele diz ser cristão, mas vê uma parcela da população como indigna de qualquer direito.”
Representação judicial
Na representação, a entidade afirma que a propaganda viola o Código Eleitoral “ao induzir o eleitorado a diminuir a importância da cidadania das pessoas presas, majoritariamente pretas e pobres. A proposta de exclusão e extermínio dos direitos das pessoas presas, nesse sentido, é uma manifesta reprodução do racismo (…) incrustado no discurso partidário da Coligação”.
Também defende que se trata de uma “inequívoca ferramenta de desinformação, além de atacar o direito constitucional das pessoas privadas de liberdade. Não foi transmitida qualquer informação de que as pessoas presas aptas a votar são aquelas sem condenação criminal transitada em julgado, bem como adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação ou de internação provisória”.
Segundo Balan, a propaganda promove a difamação do direito de votar garantido às pessoas que não têm uma condenação criminal transitada em julgado, ou seja, presas provisoriamente, e aos adolescentes em internação provisória ou definitiva, de acordo com as resoluções do TSE e a Constituição Federal.
Hoje, o Brasil tem cerca de 404 mil presos provisórios, mas apenas 3,20%, ou seja 12.963 deles, estão com a situação eleitoral regularizada. Desses, não há dados oficiais de quantos efetivamente votaram.
“Esse direito já é tão negado que ataca-lo é uma covardia. As pessoas presas têm esse direito e isso não pode ser usado como propaganda negativa.”
A peça de campanha “é alarmista porque o percentual de pessoas presas que podem votar é mínimo, não faz impacto nenhum na eleição”, e porque “usa uma pecha de bandido contra as pessoas que ainda nem foram condenadas, colocando a presunção de inocência no lixo”, afirma Balan.
“Além disso, o vídeo em si faz uma abordagem racista e eugenista das pessoas presas, colocando diversas pessoas negras dentro da propaganda. Há um momento em que a propaganda eleitoral traz uma pessoa algemada a um corrimão falando que vota no Lula, o que vai contra todas as normas de tratamento de pessoas presas ou acusadas”, e que cuja veiculação configura crime de acordo com a Lei de Abuso de Autoridade.
Da mesma maneira, dado que, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de 2019, 66,6% dos presos no Brasil são negros, “atacar o direito de votar dessas pessoas é atacar frontalmente o direito das pessoas negras”.
Defensoria também acionou MP
O Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União (DPU) também acionou a Procuradoria-Geral Eleitoral contra a propaganda veiculada pelo presidente Bolsonaro.
Na mesma linha, a DPU entendeu que a peça é racista e discriminatória e traz desinformação. "Chama atenção ainda o vídeo exibido em que um jovem negro se encontra algemado e não se elucida a que pretexto declara voto no candidato adversário, em situação que indicia possível prática de abuso ou até tortura, pois parece incomum a espontaneidade desse tipo de declaração em situação de abordagem ou detenção regular", afirma o órgão ao recomendar uma investigação sobre o caso.
O órgão também pediu que Bolsonaro seja penalizado pela propaganda "politicamente abusiva e de conteúdo discriminatório, que estigmatiza o legítimo exercício do direito de voto da população carcerária em caráter provisório e vincula imagens selecionadas de jovens negros em referência ao rótulo de 'criminosos' e 'bandidos'".
Edição: Rodrigo Durão Coelho