Não fossem os excessos de uma vida entregue à busca poética, o curitibano Paulo Leminski faria, nesta quinta-feira (24 de agosto), 73 anos de idade. Mas sem esses excessos, talvez, a figura do poeta não assumiria a força lendária que até hoje cria identificações entre leitores de todas as idades e classes sociais.
Caprichoso e relaxado, Leminski deu início ao costume de estudar muito desde jovem. Aos 14, tomou a iniciativa de trocar cartas com o coordenador do Mosteiro de São Bento, em São Paulo, que concordou em matricular o “piá” curitibano na instituição. Lá, teve acesso à literatura erudita e mostrou os primeiros sinais de rebeldia, incompatíveis com a vida de disciplina monástica. A aventura não durou mais do que um ano, mas o marcaria pelo resto de seus dias.
Homem-poliedro
Além de poeta, Leminski foi judoca faixa preta, professor de redação em pré-vestibulares da cidade, biógrafo, tradutor, crítico literário, músico, intelectual e romancista de textos caóticos, que vinham para quebrar a rotina do realismo. A parceria com a banda Blindagem, conhecida em Curitiba por suas raízes locais, rendeu letras como “sou legal, eu sei – agora só falta convencer a lei!”. Foi por meio desse arranjo musical iniciado aqui que Leminski conquistou o respeito e a amizade de compositores como Itamar Assumpção, Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Sua intimidade com as palavras se revelava em versos escritos mesmo no improviso dos guardanapos de papel. Certa madrugada, em março de 1971, chegou de uma noite boêmia à casa em que morava com a poeta Alice Ruiz e os filhos Miguel, Áurea e Estrela. Encheu-se de alegria ao ver a luz acesa e abriu a porta cantarolando a canção Luzes, na qual comemora: “essa noite, essa noite vai ter sol”. Nenhuma inspiração lhe escapava. Leminski viveu pela poesia.
O pauloleminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau e pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhadaputa
de fazer chover
em nosso piquenique.Paulo Leminski
Dentro do bairro
Outra casa da família, no bairro Pilarzinho, ficou famosa por receber todo tipo de figurões e figuronas interessados em arte, música e literatura – inclusive Gal Costa e Maria Bethânia. Ali, Paulo e Alice viveram o luto pela morte de Miguel aos dez anos de idade, vítima de um câncer. Foi quando o problema de Leminski com o álcool começou a sinalizar uma gravidade maior do que ele deixava transparecer.
Antes de tirar o corpo fora*, o cachorro louco não se contentou em deixar a abundância de sua literatura. Ele fixou, em tudo o que escreveu, a mensagem de uma vida mais artística e coletiva, menos egoísta e superficial. Leminski fez chover nos piqueniques endomingados do tédio capitalista. Mas, como disse o amigo e poeta Haroldo de Campos, “é bom que chova mesmo, com pedra e pau a pique”.
Feliz aniversário, Leminski.
*Em referência a “Devia ser proibido”, canção escrita por Alice Ruiz após a morte do companheiro.
Edição: Ednubia Ghisi