Diante do avanço de empreendimentos que estão causando impactos ambientais, a comunidade quilombola de Abacatal está construindo o protocolo de consulta livre, prévia e informada, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre povos indígenas e tribais. Situada em Ananindeua, município que integra a região metropolitana de Belém (PA), os comunitários se reuniram nesta segunda-feira (10) na sede do barracão para fazer a leitura e a aprovação do texto, com previsão para o lançamento em agosto.
A construção do texto para o protocolo, que utilizou como base uma consulta feito pelos Mundurukus, começou há três meses. A comunidade contou com a colaboração de parceiros em reuniões e oficinas sobre os princípios da Convenção 169. Em um processo de empoderamento e participação política, homens, mulheres e jovens, trabalharam sobre o texto, debatendo, tirando dúvidas, criando um texto com a identidade da comunidade para definir como desejam ser consultados com relação à construção de grandes empreendimentos.
Pressão
Vanuza Cardoso, de 40 anos, coordenadora da Associação de Moradores e Produtores Quilombolas de Abacatal/Aurá (AMPQUA), afirma que a comunidade vem sendo pressionada pelo processo de urbanização. A preocupação aumentou ainda mais depois que souberam da possibilidade da construção de uma rodovia. Cardoso possui poucas informações sobre o projeto, mas sustenta que o traçado irá bloquear o acesso ao território tradicional: “Vai cortar diretamente a via que dá acesso a comunidade e cortando essa via ela vai impedir a gente de passar”.
O site da Sedeme informa que a rodovia, denominada Liberdade, será um eixo rodoviário alternativo à BR-316, e irá partir de Belém até o município de Castanhal.
Segundo o consultor da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Tarcísio Feitosa, os Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) serão realizados pela empresa Terraplena.
No Diário Oficial de 4 de janeiro de 2017, consta a informação de que a empresa foi autorizada em 2015 a iniciar os estudos preliminares de viabilidade, que foram concluídos em 2016 e no mesmo ano a empresa deveria fazer a apresentação do resultado preliminar ao governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), para assim prosseguir com a elaboração dos EVTEA. Porém, naquele momento, os resultados não foram apresentados.
Diante da possível ameaça, Cardoso argumenta que para garantir que mais um empreendimento seja implementado sem que a comunidade seja consultada, os moradores decidiram construir o protocolo.
“Falar do protocolo é uma maneira de ser consultado porque a OIT 169, fala que a gente tem direito a ser ouvido, de ser respeitado. E isso não acontece no Brasil. Que fique claro que a gente não é contra o progresso, desde que ele esteja adequado a comunidade e seja respeitada na sua vivencia e na sua identidade”.
A reportagem entrou em contato por e-mail e por telefone com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia [Sedeme], para apurar se o EVTEA foi concluído e se é possível afirmar que a rodovia irá bloquear o acesso dos moradores à comunidade, mas não houve retorno até o fechamento da edição.
Já a Secretária de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) afirmou em nota que existe uma carta consulta tratada pelo Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor). Haverá ainda consultas com os órgãos que estão intermediando o projeto. A comunidade “A rodovia praticamente incide sobre a comunidade e, dependendo dos resultados dos procedimentos relacionados a consulta, o traçado da rodovia pode ser ajustado”.
Impactos ambientais
A comunidade de Abacatal fica distante a dez quilômetros da BR-316 e ao longo da estrada de chão batido estão sendo construídas casas habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida; o esgoto das casas no entorno cai no igarapé que abastece a comunidade. A estrada que dá acesso a comunidade é conhecida como estrada do Aurá, nome que batiza o bairro do entorno e que também abrigava um enorme lixão a céu aberto.
Outra degradação ambiental observada pela reportagem é a extração mineral às margens da estrada que dá acesso à comunidade. Enormes “curvões’ crateras foram formados, segundo Cardoso, devido a que empresas de construção retiravam do subsolo areia, argila e área branca para utilizar em obras de pavimentação.
Na comunidade vivem cerca de 122 famílias, aproximadamente 500 pessoas, Algumas exercem atividades na cidade, mas também trabalham com a agricultura familiar como Maria Dalvina, 51 anos, que “nasceu e se criou na comunidade”, como conta. Muitos vivem da plantação e produção dos derivados da mandioca como a farinha, farinha de tapioca, goma e o tucupi – sumo amarelo extraído da raiz da mandioca e muito utilizado na culinária paraense – vendidos na feira do produtor, organizada pelos próprios comunitários.
Assim como outros moradores, Dalvina possui no quintal as árvores frutíferas de açaí, rambutan e banana, que em época de safra incrementam a renda. A diversidade de frutas na comunidade proporcionou outra atividade: a produção de licores feito pelo grupo de mulheres, Arte Negra.
A comunidade possui 304 anos. Raimundo Nonato Cardoso, pai da atual coordenadora, lembra que no dia 13 de maio de 1999, foi feita a entrega do título definitivo à comunidade e naquele momento ele pensou que a luta tinha acabado.
“Eu pensei que ia terminar a nossa luta no dia que a gente pegasse o título, mas não terminou, foi pior. Hoje no dia a dia nós temos uma luta muito árdua” constata.
Edição: Mauro Ramos