Opinião

Artigo | Brexit: o golpe no império onde o sol não se punha

Quem sabe até mesmo o Reino Unido, formado pela Inglaterra, País de Gales, Escócia e a Irlanda do Norte, se desintegre

Hilversum/Holanda |
Thereza May foi a primeira dirigente mundial a ser recebida por Donald Trump na Casa Branca, em janeiro de 2017
Thereza May foi a primeira dirigente mundial a ser recebida por Donald Trump na Casa Branca, em janeiro de 2017 - The White House

A saída do Reino Unido da União Europeia, aprovada num plebiscito apertado há pouco mais de um ano, em 23 de junho, pode significar o golpe definitivo no que resta do império onde o sol não se punha.

Quem sabe, até mesmo o Reino Unido, formado pela Inglaterra, País de Gales, Escócia e a Irlanda do Norte, desintegre-se. E, para não dizer que não vai ficar nada de pé sobre o antigo modelo colonialista, restará uma rocha hoje sem nenhum valor estratégico disputada com a Espanha e uma ilha no sul do planeta, disputada pelos argentinos, as Malvinas.

Trocando em miúdos, o Reino Unido corre risco de se desintegrar totalmente com a independência da Escócia e a fusão da Irlanda do Norte à República da Irlanda. A grande maioria dos escoceses votou contra no plebiscito que sacramentou a retirada da União Europeia, e o parlamento do país acaba de aprovar autorização para que a primeira-ministra do Partido Nacionalista, Nicola Sturgeon, convoque um referendo visando a independência do país.

Na mesma trilha está a Irlanda do Norte. É bom lembrar que no chamado "acordo da Sexta-Feira da Paixão (Good Friday)", de 1998, ficou acertado o direito de o país realizar uma consulta popular com o objetivo de se desligar da Grã-Bretanha e se unificar com a República da Irlanda.

Laços com os EUA

Sem a Europa, a qual nunca foi realmente atrelada, o Reino Unido ou o que sobrar dele não terá outra alternativa a não ser reforçar ainda mais os laços com os Estados Unidos. É para isso que a primeira ministra Thereza May vem se esforçando, encarregada de levar avante o Brexit, o movimento de retirada do Reino Unido da União Europeia.

Aliás, esse papel de vassalo do que foi sua mais promissora colônia no passado foi reforçado não por um dirigente conservador, mas pelo primeiro-ministro trabalhista Tony Blair. Foi ele o aliado de Bush desde a primeira hora e o mais entusiasta na invasão do Iraque e na tarefa de inventar mentiras sobre as supostas armas de destruição em massa de Saddam Hussein. 

Com a saída da União Europeia, o Reino Unido está quebrando os laços com o maior bloco econômico (e também político) jamais formado sobre a face da terra.

É evidente que uma ilha – possivelmente partida ao meio -  não possa sobreviver no isolamento, ainda que a massa que votou pela saída, fanatizada por uma direita xenófoba temerosa da invasão de imigrantes, não tenha real consciência do que está em jogo.

O fato é esse: o Reino Unido troca os laços com o continente do qual está separado por um canal de poucos quilômetros pela dependência do império estadunidense, do outro lado do Oceano Atlântico.

O preço político que o Partido Conservador está pagando pelo Brexit se revela além do previsto. Por pouco, a primeira-ministra Thereza May foi reconduzida ao cargo nas últimas eleições e, assim mesmo, sem obter maioria absoluta. Terá de negociar apoio no parlamento, com a ressalva de que o Partido Trabalhista aumentou bastante seu número de parlamentares. E o pior para ela é que o próprio Partido Conservador está cheio de gente que torce o nariz para o Brexit.

Lembrete: o ex-primeiro-ministro David Cameron, ainda que tenha convocado o plebiscito da saída há um ano, fez campanha pela permanência na União Europeia. Derrotado, renunciou ao cargo, como havia prometido, abrindo o caminho para sua colega de partido, Thereza May.

Não era por nada que David Cameron preferia a permanência. O Tesouro Britânico previa uma queda do PIB de 6% até 2030 e o então ministro da Economia, um rombo nas contas públicas de 30 bilhões de libras, equivalentes a R$ 150 bilhões.

Avanço da extrema direita

A vitória do Brexit assinala, mais do que qualquer coisa, o perigoso avanço da extrema direita. É evidente que, com o Partido Conservador dividido e o Partido Trabalhista favorável à permanência na União Europeia, o resultado teria de ser pela não saída. No entanto, quem deu as cartas no plebiscito foi o Partido Nacionalista de extrema direita de Nigel Farage.

Com o discurso de sempre: a invasão do Reino Unido por imigrantes e a onda de atentados que eles julgam daí resultante.
Esse último argumento da extrema direita demonstra um total desconhecimento da realidade ou, simplesmente, má fé. O que é mais provável. 

O Reino Unido, que nunca aderiu ao euro, a moeda única europeia, também não assinou o tratado de Schengen, em 1985, que abriu as fronteiras internas da União Europeia. Ou seja, o controle das fronteiras do Reino Unidos nunca deixou de ser exercido. Não se entra no Reino Unido sem mostrar passaporte ou documento equivalente, seja europeu ou de qualquer parte do mundo.

Até o momento, a primeira-ministra Thereza May está aplicando fielmente a agenda de retirada do Reino Unido da União Europeia. O Brexit passou o ponto do não retorno e tem um entusiasta aliado. Adivinhe quem é? Ele mesmo, Donald Trump.

Thereza May foi a primeira-dirigente mundial a ser recebida por Trump, em janeiro. Um encontro cheio de afagos políticos de lado a lado.

Trump saiu com essa: “A Grã-Bretanha livre e independente é uma bênção para o mundo.”

Uau!

A Grã-Bretanha livre da burocracia de Bruxelas, de ser sufocada pela bandeira azul com um círculo de estrelas douradas. 
No entanto, a lembrança do servilismo recente de Tony Blair, durante a invasão do Iraque, faz temer que os acordes majestosos de que God Save the Queen sejam suplantados por outros que glorificam uma certa bandeira estrelada.

*Tarcísio Lage é jornalista.

Edição: Camila Rodrigues da Silva