Opinião

Cortes orçamentários no Fundo de Apoio à Cultura do DF são inconstitucionais

"Orçamento do FAC-DF sofreu um corte expressivo e essa medida compromete a cadeia produtiva da cultura no DF"

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Governador do DF, respaldado pela CLDF, retirou cerca de 21,7% do recurso do Fundo, passando de R$ 100,4 milhões para R$ 78,7 milhões.. - Foto: Renato Alves/ Agência Brasília

Na contramão da demanda do setor cultural do Distrito Federal (DF), o governador Ibaneis Rocha cortou recursos da principal fonte de fomento à cultura, o Fundo de Apoio à Cultura (FAC-DF), assim como de outras políticas públicas, como: Fundo de Apoio à Pesquisa, o Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Fundo da Universidade do Distrito Federal. Esses cortes em segmentos essenciais da sociedade, como a educação e a assistência social, alinha o Governo com outras gestões que sacrificam as áreas fundamentais de desenvolvimento social.

A cultura, um setor estratégico, vem se mostrando como um campo que entrega à sociedade bem estar, valor simbólico por meio de produtos culturais, com destaque para a inclusão social e a geração de empregos, e com uma devolução crescente de recursos aos cofres públicos. Mesmo assim, a relação do setor com a gestão pública é frequentemente marcada por tensões.

Desde 2019, o setor cultural do DF luta para impedir que o Governo Ibaneis subtraia os recursos destinados ao FAC. O Governo já fez diversas investidas nesta direção, sendo que, o setor cultural tem utilizado como escudo as Leis que asseguram o repasse de 0,3% da receita líquida da arrecadação para nutrir o Fundo. Assim como, luta para que a aplicação do recurso do FAC se dê da forma correta, garantida na Lei. Mas pelo jeito nem as leis estão assegurando que o FAC seja abocanhado pelo Governo do DF.

O setor cultural do DF tem no FAC o seu principal mecanismo de fomento, sendo o recurso garantido pela Lei Orgânica do Distrito Federal e replicada na Lei Orgânica da Cultura do DF (Lei nº 934/2017). Portanto, o setor, considera que, qualquer tentativa de retirar recursos do FAC é inconstitucional.

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Ainda está fresco em nossa memória a tentativa de cancelamento do edital nº 17/2018, no valor de R$ 25 milhões, cujos contemplados já haviam sido publicados. Foi, sem dúvida, uma grande vitória para o setor cultural recuperar esse edital e transformar esses recursos em arte e cultura.

No entanto, o Governo nunca trouxe estabilidade, e, ano após ano, o setor enfrenta o desassossego de lutar para que os recursos dessa política pública sejam implementados integralmente, incluindo o superávit da arrecadação e o saldo remanescente não executado do exercício anterior.

A Lei Orgânica do Distrito Federal é equivalente a uma Constituição local, sendo o principal instrumento normativo do Distrito Federal. Essa normativa foi promulgada em 1993 pela Câmara Legislativa do DF (CLDF) e rege as diretrizes legais do território. A garantia do repasse de 0,3% da receita líquida do DF para o FAC foi incorporada à Lei Orgânica do Distrito Federal por meio da Emenda à Lei Orgânica, nº 48, de 2008. Essa emenda incluiu o artigo 256, consolidando o percentual como uma obrigação legal para nutrir o FAC-DF e consequentemente financiar a cadeia de produção cultural no DF.

Apesar de sua relevância, o FAC já demonstrou insuficiências para atender, de forma democrática, toda a cadeia de produção cultural do DF. A sinalização é de que, em vez de cortes, ele precisa de suplementação. Isso se constata ao observarmos o número de inscritos no Cadastro de Entes e Agentes da Cultura (Ceac), a única forma de acessar essa política pública, e o número de projetos que não são contemplados.

Democratização no acesso aos recursos

O órgão gestor da cultura, Secretaria de Estado da Cultura e da Economia Criativa do DF (Secec) informou que, em maio de 2023, o Ceac, registrava cerca de 11 mil inscritos, incluindo os válidos e os que precisavam de atualização. Uma campanha de incentivo gerou 3.341 novas inscrições, resultando em um crescimento contínuo. Nessa ocasião, haviam 5.237 registros válidos, aptos a pleitear as políticas de fomento do FAC, segundo a Secretaria. O aumento de 64% de entes e agentes culturais inscritos em 2023 foi destacado pelo subsecretário de Fomento e Incentivo Cultural da época, que ressaltou a importância desse crescimento para ampliar o alcance dos recursos.

Reforçamos que aumentar o número de inscritos não garante maior democratização se não se tiver um incremento no montante de recursos do Fundo. Mesmo com a arrecadação crescente, ela não acompanhou o crescimento das inscrições.

O que nos leva a dizer que se gerou uma concorrência mais acirrada pelos recursos do FAC-DF e não um processo de maior democratização, como vem sendo exigido pelo setor, com maior acesso para os grupos historicamente excluídos e para os territórios periféricos.

Diante desse quadro, que gera uma série de desafios, a decisão do Governo do DF, respaldada pela CLDF, de retirar, em 2025, cerca de 21,7% do recurso do Fundo, passado de R$ 100,4 milhões para R$ 78,7 milhões, torna ainda mais dramática essa situação.

No site oficial da Secec, encontra-se o registro da aplicação do FAC, na série histórica entre 2011 e 2023, onde é possível observar que, embora o percentual destinado ao FAC tenha permanecido constante em 0,3% da receita líquida desde sua criação, houve uma pequena variação no número de projetos contemplados com o recurso do Fundo e, consequentemente, na entrega dos produtos culturais à comunidade. Esse cenário contrasta com o aumento significativo no número de projetos inscritos ao longo do mesmo período e gera o que podemos chamar de um “lixo” rico em projetos culturais, que na grande maioria das vezes, não são executados por falta de recurso.


Projetos Inscritos e apoiados pelo FAC - DF entre 2011 a 2023. / Imagem: Reprodução Site Secec

O Estado não produz cultura; ele fomenta a cultura por meio das políticas públicas e da aplicação de recursos públicos no setor cultural.

Sendo assim, é indiscutível o papel que o FAC-DF desempenha na manutenção do setor cultural e nas entregas de produtos culturais para a sociedade.

Os representantes do setor cultural e de movimentos sociais denunciaram a inconstitucionalidade da proposta de retirada de recursos do FAC-DF, apresentada pelo governador e aprovada pela CLDF durante a votação da Lei Orçamentária Anual ( LOA) de 2025.

Com a aprovação, o orçamento do FAC-DF sofreu um corte expressivo e essa medida compromete, significativamente, a cadeia produtiva da cultura no DF, que ainda não se recuperou totalmente dos impactos da pandemia de Covid-19 e do desmonte das políticas culturais promovidas por gestões federais anteriores.

A decisão do Governo do DF, respaldada pela maioria dos deputados distritais, vai na contramão das demandas do setor, que necessita de mais investimentos para se fortalecer. O corte não apenas enfraquece a principal ferramenta de fomento à cultura na região, mas também prejudica o acesso da população aos bens culturais, um direito adquirido constitucionalmente.

Essa situação compromete a confiança nas instituições e deixa o setor cultural perplexo, indignado e se questionando: para que servem as leis se os que ocupam os espaços de poder, que deveriam obedece-las e fiscaliza-las, são os primeiros a desrespeitá-las?

O mesmo setor responde: as Leis existem para serem cumpridas.

*Rita Andrade é produtora cultural, mestranda em Políticas Públicas e Governo e membro consultivo da Comissão de Cultura, Esporte e Lazer da OAB-DF.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino