Pixadores, grafiteiros, além de comerciantes de rua que não possuem autorização da Prefeitura de São Paulo para atuar já estão sentindo os efeitos do programa Cidade Linda, em vigor desde o início deste ano. O programa foi anunciado pelo prefeito João Doria (PSDB) antes mesmo de sua posse, no final de dezembro de 2016.
Em diversos pontos da cidade, a Prefeitura vem apagando pichações e grafites. O órgão revelou que cerca de R$ 1 milhão foram gastos na pintura da Ponte Estaiada, a partir de recursos doados por empresários. Outro exemplo simbólico foi o paredão da Avenida 23 de Maio.
O Brasil de Fato foi às ruas ouvir o testemunho de cidadãos que, de alguma forma, foram atingidos com as novas leis impostas pela gestão municipal.
Rua
Na Avenida Paulista, a prefeitura, através da Guarda Civil Metropolitana (GCM), vem retirando ambulantes das calçadas, muitos deles artesãos. Doria afirmou que eles “não serão tolerados”, e avisou: "se regularizem. A GCM vai agir”. Por outro lado, foi evasivo sobre a emissão de novas autorizações: “Nesse momento, não”, disse.
Gabriel Eduardo Diniz é um desses artesãos. Ele tem autorização para vender seus trabalhos, mas relata que aqueles que não têm estão sendo reprimidos: “A galera não está podendo trabalhar”.
Ele explica que a relação de parte destes comerciantes com a cidade é temporária. “Existe uma galera que trabalha e que é nômade. Por ideal, não tem apego ao sistema, vive viajando e, para garantir seu sustento, vende arte. São Paulo é a terceira maior cidade do mundo. Vem gente de todo lugar vender coisa aqui, por ser a maior avenida do maior centro [urbano do país”], diz.
Colega de Diniz, Alexandre relata que a GCM tomou seus produtos. “A gente está sendo reprimido. Nós somos artistas de rua, nosso lugar é o chão. Espero que ele reveja isso. Já levaram minha barraca com trabalhos e materiais embora”, lamenta.
Segundo ele, não são apenas os comerciantes que estão tendo problemas com a prefeitura. “Eles estão reprimindo músicos que tocam na rua”.
Paredes cinzas
“A realidade e a verdade estão nas ruas. A rua não restringe o acesso a ninguém. Todos têm contato. O artista [de rua] se alimenta desse diálogo com a cidade. A rua é a plataforma onde as coisas podem ser transformadas”, diz Mauro Neri, grafiteiro, e integrante do coletivo Imargem, criado no Grajaú, zona sul de São Paulo.
A cidade vive atualmente uma tensão. De um lado pichadores e grafiteiros, do outro, o prefeito João Doria. Com seus trabalhos sistematicamente apagados, os artistas passaram a ironizar o prefeito. Em vídeo no Facebook, o grafiteiro Mundano, por exemplo, aparece retirando a tinta que apagou uma de suas obras no Largo da Batata, além da inscrição “São Paulo não é Miami”.
“É inegável que é muito subjetivo e relativo [o conceito do que é bonito]. Inegavelmente, existe arte na pixação. É um tipo de cultura cada vez mais valorizada. É necessário uma análise mais profunda e antropológica. É algo fora de nosso tempo, como outras formas artítiscas que só foram compreendidas muito tempo depois”, defende Mauro, que finaliza: “Uma cidade linda é uma cidade onde as pessoas compreendem, não só respeitam a diferença, mas tem curiosidade por ela. Cidade linda é bonita para mais gente - não para poucos - que acolhe e ouve as pessoas".
Incerteza
O plano de Doria para a população em situação de rua ainda não foi plenamente implementado. O tucano anunciou parcerias com o setor privado e, além disso, tem utilizado telas em locais de concentração dos moradores, não permitindo que, dê fora, se note a presença dessas pessoas embaixo de viadutos.
Amaral Henrique de Souza relata problemas constantes com a GCM, "nosso pior inimigo", segundo ele, desde às gestões municipais anteriores. O morador, no entanto, prevê um cenário ainda mais negativo. “A proposta de João Doria é tratar a gente como lixo: ‘limpar a rua’. Vai ficar pior ainda”, diz.
De acordo com Souza, a atuação do novo prefeito é artificial e atende a interesses específicos. “Ele quer ‘limpar a rua’ para os turistas, estrangeiros", afirma.
O morador entende que a situação das pessoas em situação de rua, em geral, deve piorar, com um modelo de maior repressão por parte da GCM, e alerta: “Se prepare que vem bomba aí”.
Edição: José Eduardo Bernardes
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