Integrantes da oposição no Senado ingressaram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que o Projeto de Lei Complementar (PLC) 79 de 2016, que prevê o repasse bilionário a empresas de telecomunicações, seja votado no plenário da Casa. A ação foi protocolada nesta terça-feira (20).
Batizado de “PL das Teles”, o PLC 79 entrega às concessionárias de telefonia fixa bens avaliados em cerca de R$ 108 bilhões - prédios, cabos e outros elementos da infraestrutura. A estimativa é baseada em dados do Tribunal de Contas da União. O autor do projeto, o deputado Daniel Vilela (PMDB-GO), afirma que a lei é necessária para garantir investimentos no setor.
O projeto foi aprovado em caráter terminativo pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (Ceden) do Senado no dia 6 de dezembro. A oposição havia entrado com três recursos internos pedindo que o texto fosse ao plenário da Casa. A Mesa Diretora, entretanto, rejeitou todos pedidos.
O último dos recursos foi interposto pela senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM) na sexta-feira (16). No site do Senado, consta como justificativa para a rejeição a “falta de assinaturas necessárias”. Entretanto, o pedido teve dez assinaturas, uma a mais que o necessário. A Mesa Diretora se manifestou afirmando também que o recurso foi protocolado fora do prazo. Segundo a Coalizão Direitos na Rede, o pedido foi apresentado às 19h58, conforme as orientações da própria Mesa.
Com as rejeições, o PLC pode ir à sanção presidencial. Se a Justiça acatar o pedido da oposição, o Projeto só deve ser votado em plenário em fevereiro de 2017. O STF entrou em recesso nesta terça-feira (20), e suas atividades retornam em 6 de janeiro. O tribunal informou, entretanto, que durante janeiro apenas casos urgentes serão apreciados.
Mandado de segurança
O mandado de segurança foi elaborado por representantes da minoria no Senado (PT, PC do B e Rede), além de parlamentares de outros partidos, como Roberto Requião (PMDB-PR). No total, 12 senadores assinam o pedido.
Grazziotin se reuniu com a presidência do STF para discutir o pedido. Ela explica que houve desrespeito ao regimento interno do Senado, violando também a Constituição.
“A ministra Carmem Lúcia não adiantou nada, apenas nos ouviu com muita atenção. Nós concordamos que não deve haver interferência do Judiciário em questões internas do Parlamento. Entretanto, no caso específico, nossa ação alega justamente o descumprimento do texto constitucional. Não houve debate parlamentar. Deveria ter tramitado, no mínimo, em três comissões do Senado”, diz.
Projeto
As principais beneficiárias desta medida seriam as cinco operadoras de telefonia fixa no país: Vivo, Claro, Algar, Sercomtel e Oi, sendo que a aprovação é esperada especialmente pela última, que passa por processo de recuperação judicial.
Além disso, caso o PL seja sancionado, os bens passam ao regime privado de concessão --hoje, eles bens se encontram sob o regime público de concessão. No sistema de autorização proposto no texto, há menos exigências de investimentos no cumprimento de metas de universalização do acesso para usuários.
Para entidades que atuam em defesa da democratização das comunicações, articuladas em torno da Coalização Direitos na Rede, a proposta diminui a capacidade regulatória do Estado sobre o setor, prejudicando o consumidor em termos de custo e qualidade.
“Os incentivos são menores para garantir o pleno funcionamento das redes. Além disso, no regime público existe a possibilidade de controle tarifário para coibir aumento arbitrário dos lucros. Com o 'PL das Teles', todos os contratos passam a operar no regime privado, em que há preço e não mais modicidade tarifária [tarifas quase simbólicas]. Como consequência, as empresas terão mais incentivos para aumentar seus preços, tanto na telefonia fixa quanto na internet – hoje considerada essencial para a cidadania no país”, diz a Coalizão em seu site.
O próprio Tribunal de Contas da União afirma que o PL consiste “em entregar, sem custos e sem volta, a maior infraestrutura de telecomunicações a um grupo de empresas”. “Na prática, o PL retira a possibilidade de o Estado impor obrigações a prestadoras de serviços de telecomunicações”, afirma a Coalizão.
A articulação também criticou a velocidade com que o projeto foi aprovado: “Diante de tal fato, denunciamos as manobras do Senado Federal para aprovação do PLC 79/2016 sem o necessário debate público e sem a consideração de quem defende os direitos dos consumidores e a ampliação do acesso às telecomunicações no Brasil".
No site, a articulação afirmou que "os argumentos formalistas utilizados pela Secretaria Geral da Mesa Diretora para a rejeição do recurso são descabidos" e que não podem aceitar "a manipulação de regras do Estado Democrático de Direito em favor de interesses econômicos e políticos”.
Críticas
Grazziotin pediu que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não envie o projeto à Presidência da República. Em declarações à imprensa na segunda-feira (19), antes da elaboração do Mandado de Segurança, afirmou: “[Ele deve] obedecer o que diz o regimento interno ou então vai dar uma prova que estamos vivendo em um Estado de exceção. Não é possível que ele faça isso”.
Jonas Valente, coordenador do Intervozes (entidade que integra a Coalizão Direitos na Rede), explica que o PL das Teles significa o fim do regime público sobre as comunicações.
“Quando houve a privatização [do setor], nos anos 90, estabeleceram dois regimes. O público, para serviços essenciais e de interesse coletivo, com obrigações: universalização, continuidade e controle tarifária. Além disso, foi utilizado o modelo de concessão. No regime privado, não há quase nenhuma obrigação. O Estado pode vir a impor, mas a lei não estabelece obrigação. Quem ficou no regime público? A telefonia fixa”, explica. “A estrutura de telefonia foi fatiada. Ao final do contrato, teria de ser devolvida, ou as empresas continuariam com ela, se o contrato fosse renovado. O que as companhias fizeram? Começaram a dizer que não deveriam pagar por isso”.
De acordo com Valente, entretanto, houve pressão política por parte das empresas para que o regramento fosse alterado. “O que elas queriam? 'Eu não vou devolver para o Estado brasileiro R$ 100 bilhões'. Vinha-se fazendo lobby há muito tempo para o governo adiantar o contrato e fazer essa transição de concessão para autorização, ou seja, do público para o privado. Em outras palavras, fim das obrigações. Os defensores do projeto dizem que é telefonia fixa, que não importa mais. Mentira: hoje já há tecnologia que aproveita essas redes de telefonia para internet de alta velocidade”, argumenta.
Contradições
O coordenador do Intervozes ressalta que há alternativas ao projeto de entrega de patrimônio, como exigir uma indenização ou impor a exigência de oferecimento de internet grátis em determinadas localidades, garantindo uma política pública de acesso à internet. Valente reforça também que o projeto não estabelece nenhuma contrapartida concreta.
“Há entrega do patrimônio em troca de metas de investimento. O que são essas metas? O que as empresas já deveriam estar fazendo. No fundo, o governo está entregando R$ 100 bilhões para elas fazerem o que já é obrigação delas”, afirma Valente.
Outro ponto é que a lei remete à Anatel o estabelecimento das metas, segundo Valente. "Quem acompanha o setor sabe que a agência é favorável às operadoras. Há vários casos: ela aplica multa e transforma em meta de investimento”. Ou seja, há um histórico na Agência de perdoar multas em troca de que as empresas cumpram o que a lei já exige.
Valente destaca outra questão: a falta de certeza quanto ao próprio valor que será repassado às teles. “Há um terceiro problema: a Anatel fala em R$ 15 bilhões; o TCU fala em mais de R$ 100 [bilhões]”, diz o coordenador do Intervozes.
Apesar de focar em alterações na telefonia, Valente destaca que a alteração do marco regulatório - “que já é ruim” - impacta em outras áreas. O que ele considera o fim do regime público, pode se estender também à internet, o que faria com que os critérios de continuidade, universalização e controle tarifário também fossem extintos nesse serviço.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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