Mais de 30 cidades

Marcha nacional por parto humanizado luta contra a criminalização do trabalho de enfermeiras e parteiras

Ato foi convocado após resolução e ação civil pública do Cremerj contra enfermeiras obstétricas e o parto domiciliar

Brasil de Fato | Campo Grande (MS) |
Mulheres saíram em defesa do parto humanizado pelas ruas de Campo Grande (MS) neste domingo, 21 de abril de 2024 - Jéssica Antunes

Mulheres, parteiras, doulas e enfermeiras obstétricas realizaram uma mobilização nacional neste domingo (21) em defesa do parto humanizado com manifestações em mais de 30 cidades brasileiras.

Os gritos "parir com liberdade, casa de parto na cidade", "parir e nascer com respeito é direito" e "nossa luta é todo dia, somos mulheres e não mercadoria" embalaram o ato em Campo Grande (MS) onde as manifestantes se reuniram em frente ao Parque das Nações Indígenas, na Avenida Afonso Pena.

Aos gritos de "Não é mole não, sem doulas, não tem humanização" manifestantes também se reuniram no vão do Masp, em São Paulo (SP).

A mobilização nacional foi convocada após movimentações do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) que tentam limitar a atuação de enfermeiras obstétricas e o parto domiciliar. 

A resolução nº 348/2023 que proíbe a participação do médico em partos domiciliares planejados está suspensa temporariamente desde novembro do ano passado por meio de uma liminar, mas o Cremerj moveu uma Ação Civil Pública contra duas profissionais e contra o Conselho Federal de Enfermagem, exigindo que enfermeiras obstétricas fossem proibidas de realizar partos humanizados sem integrarem equipes médicas.

"É uma ação muito grave, porque eles pedem que a gente deixe de atuar se não estiver junto com o médico. Isso acaba com o parto humanizado, acaba com a casa de parto", afirmou Heloísa Lessa, enfermeira alvo da ação movida pelo Cremerj, durante a manifestaçao em frente ao Museu de Arte Moderna (MAM) no Rio de Janeiro (RJ).

Zeliana Sabala, coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, aponta que há um interesse corporativo da classe médica, que entra em choque com o direito ao exercício da profissão de enfermeiras obstétricas, doulas e parteiras. "Estamos falando de cirurgias desnecessárias. Tem muitos médicos preocupados, responsáveis, que lutam pela autonomia da mulher, mas a classe médica não quer perder espaço na hora de fazer o parto. É sobre isso. Ao ampliar o protagonismo da mulher, você perde espaço para o protagonismo do médico."

Sabala destaca que a manifestação é em defesa de que as mulheres possam tomar decisões informadas sobre o parto, com base em premissas da Organização Mundial de Saúde (OMS). 

"O parto cesárea é indicado pela OMS apenas em casos extremados, em situações em que o parto normal traria riscos à mulher, mas no Brasil isso nao é respeitado. A gente tá querendo dizer que tem procedimentos aplicados de rotina, enquanto existem evidências médicas hoje que apontam a sua desnecessidade. Apenas deveriam ser aplicados com a decisão informada. É sobre protagonismo da mulher."

Em Recife (PE), as manifestantes de reuníram na Praça do Derby. “A gente tem profissionais que estão sendo perseguidos porque simplesmente querem fazer o seu trabalho da forma certa, respeitando o direito daquela pessoa gestante a parir da forma que ela decidiu parir. Quando a gente fala do parto humanizado, é um conjunto de ações que a gente precisa ir pra rua pra poder defendê-lo.”

"Porque não existem ainda as casas de parto, porque os gestores não investem nisso? Simplesmente por causa do capitalismo", afirma Adriane da Silva Soares, conhecida como Adriane Quilombola, da comunidade Furnas de Boa Sorte, da Rede Feminista de Saúde e presidente do Instituto Sociocultural Dandara, que representa as comunidades quilombolas de Mato Grosso do Sul.


Adriane Quilombola (esq.) segura faixa durante manifestação em Campo Grande (MS) / Jéssica Antunes

"A gente precisa ter as casas de parto e elas não são de interesse da gestão. Porque a gestão pensa em lucro e o que dá lucro é o parto cesariana, que não é um parto humanizado, não é um parto acompanhado por doulas, por familiares, por parteiras. Eu, mulher, tenho o direito de escolher como eu quero ter filho, não o capitalismo", acrescenta. 

A reportagem não conseguiu entrar em contato com o Cremerj até o momento desta publicação, mas o espaço segue aberto para manifestação do Conselho.

Lei das doulas

Uma pauta nacional que reverberou nos atos em todo o país foi a defesa do PL 3946/2021, que regulamenta a profissão de doula.

"Nós já existimos como categoria, já estamos organizadas em 18 associações filiadas à Federação Nacional de Doulas do Brasil. E estamos em busca da aprovação desse projeto, porque vários estudos reconhecem que a presença de doulas durante todo o processo de gestação, parto e pós parto se mostra fundamental na garantia de um apoio físico, emocional e informativo à gestante, que vai corroborar para que elas tenham uma experiência de parto positiva", disse Gabriela Santoro, presidente da Associação de Doulas do Rio de Janeiro.

A coordenadora do Nudem - MS, Zeliana Sabala, ressalta a importância da aprovação do PL 3946/2021, para que as mulheres que o serviço das doulas possa ser incorporado ao SUS e dessa forma se tornar acessível tamém para as mulheres de baixa renda.

"Hoje a doula é um profissional importante, mas que só quem pode pagar tem acesso, por isso a importância de regulamentar, pra que a doula possa ser um serviço público institucionalizado no SUS."

Manifestação pede Centro de Parto Normal em Campo Grande (MS)

As pautas locais também ganharam espaço, como a criação de um Centro de Parto Normal vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS) em Campo Grande (MS).

"Já nos comprometemos a mandar emenda pra ajudar nessa construção e instalação aqui em Campo Grande, o governo Lula abriu um edital para que o estado e o município cadastrassem para conseguir ter esse acesso. E no Congresso Nacional a gente vai estar junto com vocês pra aprovar a Lei de Doulas, para que elas possam atender no SUS também", defendeu a deputada federal Camila Jara (PT/MS).

"Pode parecer óbvio, mas  muitas mulheres não sabem que têm o direito de escolher como elas querem ter seus filhos. E mais que isso, que elas têm o direito de ter os seus filhos em um ambiente acolhedor, com amor, e que não seja um ambiente hospitalar. Não podemos tratar o nascimento como se fosse algo parecido com uma doença", completou a deputada.

Raissa Machinsky, que integra a Associação Matria e o Coletivo Desde a Raiz, aponta que a ideia de trazer esse ato pra Campo Grande surgiu da necessidade de defender o direito de nascer, "uma das necessidades mais básicas da humanidade". "Desde que a humanidade é humanidade, a mulher gesta, pare e cuida. E até hoje nenhum Estdo e nenhuma nação deu o básico pra que isso seja feito com dignidade e respeito, tanto pra mãe, quanto pro bebê."

Edição: Douglas Matos