O 4 de fevereiro de 2025 marca os 33 anos de um episódio que virou a página da história da Venezuela. Em 1992, o ex-presidente Hugo Chávez surgia como liderança política que, naquele momento, representou uma esperança de mudanças no país. Se para os chavistas a data é motivo suficente para sair às ruas e relembrar aquele momento, para quem conviveu com a ex-liderança esse momento é ainda mais um motivo especial de celebração.
É o caso de Jorge Luís Chirinos. Nascido no estado de Falcón, o hoje deputado da Assembleia Nacional tinha 36 anos na época e acompanhou o discurso de Chávez pela televisão. Naquele momento, Chirinos era militante do Partido Comunista e secretário-geral do sindicato dos trabalhadores da empresa petroleira Maraven.
Além de colocar uma esperança para a militância de esquerda, aquele discurso fez o agora deputado levantar da cadeira e procurar uma forma de conhecer aquela personalidade que surgia na TV com um discurso convincente.
"Meu Deus, a liderança estava nos quartéis. Não conseguimos nas ruas, nas empresas e nem nos sindicatos. Era um militar. Aí eu vim para Caracas para conhecer Chávez que estava preso no quartel San Carlos. Conhecemos ele 20 dias depois do 4 de fevereiro. Ele me disse para organizar o Movimento Bolivariano Revolucionário 200 em Falcon. Para mim foi uma responsabilidade e passou a ser uma missão de vida", afirmou ao Brasil de Fato.
Vestido com uma jaqueta e uma boina vermelha, Chirinos lembra emocionado de Chávez e não esconde as lágrimas ao mencionar as palavras do ex-presidente. Segundo ele, aquela liderança que surgia em 1992 reforçava que não tinha um objetivo eleitoral, mas uma missão revolucionária.
Chirinos ajudou a fundar anos mais tarde o Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), que ocupou o lugar deixado pelo Movimento Quinta República, agremiação criada pelo grupo de Chávez para participar e vencer a eleição de 1998.
Ele havia participado responsável por uma greve petroleira em Paraguaná em 1988 que venceu o sindicato patronal e conseguiu melhorar os salários e as condições dos trabalhadores. Para a esquerda venezuelana, o surgimento de Chávez no começo dos anos 90 foi um "ponto de inflexão" que transformou a política do país.
Para militantes chavistas, as eleições de 2024 colocaram mais uma vez à prova esses valores estabelecidos por Chávez. Depois de manifestações violentas promovidas pela extrema direita, os grupos que defendem o governo de Nicolás Maduro foram às ruas para manifestar seu apoio ao que chamam de "revolução bolivariana".
"Há uma reivindicação desse sentimento de nacionalismo que transmitiu Chávez. Ele foi um líder além da ideologia socialista, que foi a sua bandeira. A maioria do povo venezuelano foi pelos valores do bolivarianismo, dos libertadores, da pátria. Isso se manifesta novamente hoje, principalmente depois dos movimentos de 28 de julho, de violência da extrema direita. As raízes que estabeleceu Chávez em 4 de fevereiro de 1992 voltam agora", disse.
A última vez que esteve com Chávez foi em 26 de agosto de 2012 na cidade de Punto Fijo. No dia anterior, a refinaria de Amuay registrou a explosão de dois tanques e o então presidente foi até Falcon para acompanhar os desdobramentos. Chirinos recebeu o então presidente quando ele deu um discurso para o país falando sobre o que havia acontecido e as medidas do governo para reparar o que havia sido danificado. Para o deputado, aquele foi um momento importante porque ele tinha uma relação pessoal com Chávez e chegou a receber o ex-presidente em sua própria casa.
O deputado saiu às ruas nessa terça-feira (4) para lembrar esse momento e faz uma avaliação crítica sobre o processo de transformação do governo chavista. Para ele, houveram mudanças significativas que apresentaram "debilidades" nesse caminho.
"Tivemos casos de corrupção, dirigentes que traíram o comandante, que chegaram a ser ministros. Certamente nós tínhamos uma força imensa e vamos resgatá-la. Se você me pergunta se podemos ter essa mesma força popular, eu digo que sim", disse.
Caracas palco de atos
Assim como o deputado, milhares de manifestantes foram às ruas da capital venezuelana neste 4 de fevereiro para relembrar o movimento iniciado por Chávez.
A concentração saiu da Praça Venezuela, na região central de Caracas e foi a Los Proceres, onde está o monumento em homenagem aos libertadores da Venezuela. Com muita música, dança e palavras de ordem em apoio ao governo de Maduro, os chavistas ocuparam em peso as ruas e mostraram a força depois de meses de questionamento da oposição em relação aos resultados eleitorais de 28 de julho de 2024.
Jamile Loyo é aposentada e saiu para marchar nesta terça. Ela viu o 4 de fevereiro da sala da sua casa e estava grávida do seu primeiro filho. Loyo afirma que teve medo em um primeiro momento. Depois de ver o discurso de Chávez, ela afirmou ter se dado conta de que "aquele era o homem que ia nos ajudar a visibilizar".
"Vivemos muitas coisas e seguimos acreditando nesse processo. Tem sido difícil, temos casos de corrupção, tem pessoas que atuaram mal, mas nós acreditamos porque a própria revolução se ajusta dentro das dificuldades. Sabemos que tem pessoas que ficaram desiludidas com o processo, mas é parte de um contexto de guerra econômica que é dificil de enfrentar no campo narrativo", afirmou ao Brasil de Fato.
Outro que saiu para marchar foi Antonio Vásquez. Ele é coordenador do conselho político do PSUV no estado de Portuguesa e também acompanhou o movimento de Chávez em 1992, quando teve a impressão de que aquele era o resultado de anos de mobilização política que culminou em um "homem carregado de pátria e de símbolos revolucionários".
Como militante de esquerda desde os anos 80, Vásquez afirma que o discurso de Chávez marcou uma pauta e uma "ruptura" na história da Venezuela.
"Foi um salto, porque apareceu uma liderança e uma possibilidade concreta de derrotar o 'puntofijismo' que estava governando o país, que era uma alternância de poder dentro da própria direita. Sem dúvida, esse país vive o assédio estadunidense, mas esse movimento hoje segue sendo de esperança para enfrentar todas as formas de dominação", disse ao Brasil de Fato.
História do 4F
Em 4 de feveiro de 1992, um grupo de mais de 2 mil militares se organizou em torno do Movimento Bolivariano Revolucionário-200 (MBR-200) para tentar derrubar o então presidente Carlos Andrés Pérez. Apesar de ter sido derrotado, o movimento daquele ano deu projeção às propostas do grupo e alçou Chávez ao status de liderança política nacional.
Este processo de acumulação de forças do movimento militar foi extenso e estava ligado a uma crise econômica. Os países latino-americanos tinham encerrado a chamada "década perdida" - os anos 1980 - com dívidas públicas muito altas. Em 1992, as reservas internacionais haviam baixado para US$ 14,1 bilhões (cerca de R$ 70 bi), o equivalente à média dos anos 1980 —período marcado por uma queda nas divisas venezuelanas.
O governo Pérez usava o crescimento do PIB de 9,7% em 1991 para ostentar um suposto sucesso econômico mas isso não refletia no padrão de vida decadente da população.
Em 3 de fevereiro de 1992, o movimento começou na capital Caracas, mas o presidente Pérez foi informado pelo então ministro da Defesa, general Fernando Ochoa Antich, sobre as movimentações militares e reprimiu a rebelião. O presidente fez um discurso televisivo na madrugada do dia 3 para o dia 4 de fevereiro chamando os militares insurgentes de “golpistas” e “traidores”.
As tropas leais ao governo receberam a ordem de agir de forma dura contra os rebeldes. Por não conseguirem ter capacidade militar para neutralizar o governo, o comandante Hugo Chávez decidiu, ao meio-dia de 4 de fevereiro, se render e se entregar. Pediu apenas para fazer um discurso à nação:
“Antes de mais nada, gostaria de dar bom dia a todo o povo venezuelano. Esta mensagem bolivariana é dirigida aos valentes soldados que se encontram no regimento de paraquedistas de Arágua e na Brigada Blindada de Valência. Companheiros: lamentavelmente, por enquanto, os objetivos que colocamos não foram atingidos na capital."
Segundo o governo da época, foram presos 180 oficiais, 58 suboficiais, 90 integrantes de tropas profissionais e mais de 2 mil soldados.
O movimento tinha, em documento, 24 medidas que seriam tomadas assim que assumissem o Palácio Miraflores, a sede da presidência. entre elas estava a dissolução do Congresso e Assembleias Legislativas, a suspensão de todas as privatizações, controle sobre a livre circulação de capitais e combate ao tráfico de drogas.
Mesmo preso, Hugo Chávez acumulou força política e ganhou popularidade. Institutos de pesquisa indicavam um nível de confiança da população sobre o militar de até 64%.
Em 20 de maio de 1993, o então presidente Pérez foi afastado do cargo por desvio no orçamento secreto privativo de US$ 6,5 milhões para pagar a segurança da então presidente de Nicarágua, Violeta Chamorro. Mais tarde, ele foi condenado a dois anos e quatro meses de prisão domiciliar.
Edição: Leandro Melito