A libertação do campo de concentração de Auschwitz pelo Exército Vermelho, que completa 80 anos nesta segunda-feira, 27 de janeiro, foi um dos momentos-chave da ofensiva soviética para derrotar a Alemanha Nazista na Segunda Guerra Mundial.
A data foi lembrada pelo presidente russo, Vladimir Putin, que, em comunicado publicado no site do Kremlin, pediu que seja sempre lembrado de que foram os soldados soviéticos que libertaram o campo de concentração de Auschwitz e revelaram a verdade sobre os crimes dos nazistas.
"Em janeiro de 1945, o Exército Vermelho libertou o campo de concentração de Auschwitz, revelando à humanidade a verdade sobre os crimes dos nazistas e seus cúmplices que exterminaram milhões de judeus, russos, ciganos e representantes de outros povos. Sempre nos lembraremos de que foi o soldado soviético que esmagou esse mal terrível e total, que conquistou a Vitória, cuja grandeza permanecerá para sempre na história mundial", disse o líder russo.
Vladimir Putin declarou também que Moscou continuaria a resistir às tentativas de figuras europeias de reescrever o veredito legal e moral dado aos nazistas e seus colaboradores. Putin enfatizou que tudo será feito para impedir a disseminação do antissemitismo, da russofobia e de outras ideologias racistas.
A chegada do Exército Vermelho ao campo de Auschwitz, onde foram exterminados mais de 1 milhão de judeus e milhares de soviéticos, poloneses, ciganos e outras minorias, aconteceu no contexto da operação ‘Vistula-Oder’, uma das maiores ofensivas soviéticas para expulsar as tropas alemãs da Polônia.
Este momento histórico, que marca uma série de celebrações dos 80 anos da vitória sobre o Nazismo no mês de janeiro, foi lembrado pela porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova em 17 de janeiro, data do início da operação soviética na Polônia.
“17 de janeiro de 2025 marca 80 anos desde aquele dia memorável em que unidades do Exército Vermelho, o Exército Libertador, entraram na capital da Polônia – Varsóvia. Durante a operação ofensiva estratégica Vistula-Oder, que se tornou um exemplo clássico de arte militar, uma parte significativa do território da moderna República da Polônia foi libertada em 23 dias. […] Lado a lado com nossas tropas, esse caminho vitorioso foi percorrido pelos soldados do Exército Popular Polonês”, declarou Zakharova.
“Documentos testemunham a atmosfera do inverno de 1945 na Polônia. Os soldados e comandantes do Exército Vermelho, juntamente com os moradores das terras polonesas libertadas, regozijaram-se com a expulsão dos ocupantes, expressaram simpatia pelas vítimas do terror nazista e pelo sofrimento dos poloneses que sobreviveram à escravidão de Hitler”, acrescentou a porta-voz.
A libertação de Auschwitz pelo Exército Vermelho foi fundamental para expor os horrores do Holocausto, e se tornou um dos mais marcantes símbolos da derrocada do regime nazista. O impacto deste acontecimento levou a ONU a escolher esta data como o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.
Representantes de diversos países estiveram presentes na cerimônia realizada no campo, que hoje funciona como um museu dedicado à memória do Holocausto. A Rússia, no entanto, não foi convidada para a cerimônia em homenagem às vítimas do extermínio em Auschwitz. A diplomacia russa repetidamente acusa o Ocidente, e, nesse caso particular, a Polônia, de “reescrever a história" para ofuscar a importância da União Soviética para a libertação do país da ocupação nazista.
“Não importa o quão chocante possa ser para os políticos poloneses modernos, o marco histórico no caminho para a formação da moderna República da Polônia como um estado nacional do povo polonês dentro de suas fronteiras existentes foi a libertação do país pelo Exército Vermelho em 1945. Sem isso não haveria Estado polonês. Hoje, essas memórias sagradas para russos e poloneses sobre as vitórias do Exército Vermelho e a salvação da Polônia do jugo nazista são ofuscadas pela reescrita da história e pela política de amnésia, na qual a Varsóvia oficial atingiu o fundo do cinismo”, afirmou que a porta-voz da chancelaria russa, Maria Zakharova.
A cerimônia que marca a data da libertação do campo de Auschwitz pelo Exército Vermelho costumava sempre contar com a participação de autoridades russas. Mas após o início da guerra da Ucrânia, o país deixou de ser convidado para as celebrações. Neste ano, o diretor do Museu de Auschwitz, Piotr Cywinski, afirmou que a data é uma lembrança às vítimas e uma homenagem à liberdade, afirmando que "é difícil imaginar a presença da Rússia", que, segundo ele, "não entende o valor de liberdade."
Esse discurso, no entanto, não foi aplicado ao convite para a participação do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, cujo governo é responsável pela morte de dezenas de milhares de palestinos na guerra promovida contra Gaza.
Vale lembrar que Netanyahu possui um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional por "crimes de guerra e crimes contra a humanidade" em Gaza. A Polônia, como país signatário do Estatuto de Roma do tribunal internacional, teria que cumprir o mandado e prender Netanyahu se ele vier ao país.
No entanto, o governo polonês declarou que iria garantir a participação e a segurança das autoridades israelenses nas celebrações em Auschwitz. Por fim, Netanyahu decidiu não comparecer ao evento, mas Israel enviou uma delegação de representantes.
O professor de História da Universidade Federal da Crimeia, Oleg Romanko, em entrevista ao Brasil de Fato, afirmou que está muito claro que a Rússia não foi convidada para a cerimônia por motivos políticos. “Por um lado, é uma tentativa de diminuir a Rússia contemporânea, mostrar que a Federação da Rússia, como herdeira da União Soviética, não tem nenhuma importância na vitória sobre o nazismo, ou se tem, teria um significado muito pequeno”, afirmou.
Apesar do inegável papel da União Soviética na libertação de Auschwitz, o protagonismo do Exército Vermelho não ficou imune a uma disputa de narrativas. O mérito soviético é contestado especialmente pela Polônia, que sofreu domínio de Moscou no período pós-guerra e, por isso, tem até hoje um histórico de rejeição ao legado soviético.
“Nesse sentido, eu não vejo nada de muito novo nisso. Este acontecimento relacionado com Auschwitz é apenas um dos aspectos de um problema mais amplo sobre o menosprezo da importância do papel da União Soviética na Segunda Guerra Mundial, por um lado, e, por outro, trata-se do paralelo [da URSS] com a Alemanha de Hitler, como se fosse uma das culpadas dos desdobramentos da Segunda Guerra Mundial. E o fato de que isso acontece no território da Polônia é mais explicativo ainda, porque os poloneses são os primeiros que levantam essas questões, ligados à equivalência da culpa da Alemanha e da URSS”, declarou o historiador.
“Por isso é preciso dar muita atenção a todas estas questões, sempre lutar pela verdade histórica, fazer lutas pela história, principalmente se isso diz respeito à história da Segunda Guerra Mundial. Eu vejo, por exemplo, duas questões fundamentais sobre isso que estamos falando. Em primeiro lugar, é buscar de todas as maneiras possíveis suprimir as tentativas de diminuir a importância da União Soviética pela vitória na Segunda Guerra Mundial. Em segundo lugar, se nós estamos falando da Europa Oriental, mostrar como a URSS realizou ali uma missão de libertação, e não como se fosse uma ocupação”, completou Oleg Romanko.
Edição: Leandro Melito