O cessar-fogo alcançado entre Israel e o grupo de resistência palestino Hamas na Faixa de Gaza, que está em vigor desde o último domingo (19), prevê três fases de acordo, sendo a última sobre a reconstrução e governança do enclave palestino caso ambos os lados respeitem os pontos firmados e as negociações tenham êxito.
Apesar do acordo ainda estar na primeira fase, com a troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos como seu principal ponto, o futuro político de Gaza já é debatido.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, rejeita qualquer envolvimento do Hamas no governo. A Autoridade Nacional Palestina (ANP), sob a liderança do presidente Mahmoud Abbas - governo que resultou dos acordos entre Israel e a Palestina em 1993 - afirma que está pronta para assumir "toda a responsabilidade" em Gaza depois da guerra.
Entre as forças de poder, também deve-se considerar os demais partidos políticos palestinos, como a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) e grupos de resistência do enclave, como a Jihad Islâmica.
“Quando falamos sobre o dia seguinte em Gaza, essa questão é uma questão palestina. Não são os europeus, estadunidenses, árabes e israelenses que vão decidir quem vai administrar Gaza”, afirma o representante da FPLP no Brasil, Hisham Alqam, ao Brasil de Fato.
Alqam afirma que a ANP também não governará Gaza, “porque Abbas é parte do projeto israelense e sionista nesta guerra”. O futuro governo em Gaza, no pós-guerra, “será um governo próximo à resistência, não contra ela”. “Há pessoas armadas que fazem parte da segurança de Gaza, elas são divididas entre o Hamas, a Jihad Islâmica, e outros grupos de resistência. E cada um pertence a uma função”, explica.
Apesar das negociações para governança em Gaza ainda estarem distantes, para Alqam, a resistência palestina obteve uma “vitória” com o acordo de cessar-fogo alcançado.
“Quando dizemos vitória, significa que o inimigo não conseguiu atingir seus objetivos. Israel, depois do 7 de outubro, queria recuperar seus reféns, e não conseguiu; queria destruir a resistência, e não conseguiu; queria explorar todas as pessoas fora de Gaza, e não conseguiu. O povo palestino está engajado e se recusa a ir embora. Tudo isso significa que não atingiram seus alvos, e isso é uma vitória para a resistência local, que ainda está em Gaza”, avalia.
O representante da FPLP afirma que “Israel foi forçado a fazer o acordo”. “Não é algo que eles escolheram, porque foi alcançado oito meses atrás, mas Netanyahu se recusou a aceitá-lo [na época]”. Ele “foi forçado a aceitar [o cessar-fogo] porque não conseguiu acabar com a resistência palestina”.
Alqam revela ainda que com a chegada de Trump [à Presidência dos Estados Unidos], oficiais do exército israelense enviaram uma carta ao presidente republicano pedindo-lhe para “forçar Netanyahu a parar com a guerra, caso contrário seria uma catástrofe para Israel”.
Contudo, apesar de respeitar o cessar-fogo em Gaza, Israel se voltou contra a Cisjordânia, em especial contra o campo de refugiados de Jenin, onde vivem mais de 24 mil pessoas. Segundo a emissora Al Jazeera, as forças de Tel Aviv já mataram 14 pessoas e feriram dezenas desde a instalação da operação “Muros de Ferro” na região, na última terça-feira (21).
“Israel diz que está lutando contra o Hamas porque o grupo é considerado terrorista em vários países europeus. Mas, na verdade, está lutando contra o povo palestino inteiro. Eles querem destruir toda e qualquer tipo de resistência, em Gaza e na Cisjordânia”, afirma.
Na análise de Alqam, Netanyahu “quer e precisa continuar lutando”. “Se não for no Líbano, é em Gaza, se não for em Gaza, é na Cisjordânia, e talvez no Irã nos próximos dias. Isso porque quando a guerra acabar, ele será levado à Corte e à prisão”, afirma, referindo-se ao mandado de prisão contra o primeiro-ministro israelense emitido pelo Tribunal Pena Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade durante sua guerra em Gaza.
Reconstrução de Gaza
Ao falar sobre o futuro político e as ofensivas israelenses no Oriente Médio, Alqam não desconsidera a reconstrução da Faixa de Gaza, tema também para a terceira e última fase do acordo. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), levaria mais de 15 anos para remover as 40 milhões de toneladas de destroços causadas pelos bombardeios israelenses contra a infraestrutura de Gaza.
A ONU também estimou que apenas a limpeza do enclave poderia custar de U$500 a U$600 milhões (mais de R$3 bilhões).
“A reconstrução de Gaza é para ajudar nosso povo, e nós estamos trabalhando em todo o mundo para enviar o que for necessário para ajudar”, afirma o representante da FPLP.
Mas reconhece que “há países e grandes empresas” que veem Gaza como “uma oportunidade de negócios, de modo que desejam participar da reconstrução porque querem ganhar algum dinheiro”.
“Mas temos certeza de que o povo palestino tem muitos amigos em todo o mundo e eles já estão dispostos a ajudar e a reconstruir Gaza”, acrescenta.
Edição: Leandro Melito