O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, afirmou nesta sexta-feira (17) que a entidade está pronta para assumir "toda a responsabilidade" em Gaza depois da guerra, em sua primeira declaração desde que o cessar-fogo entre Israel e o Hamas foi anunciado.
"O governo palestino, sob as diretrizes do presidente Abbas, completou todos os preparativos para assumir toda a responsabilidade em Gaza", o que inclui o retorno dos deslocados, a prestação de serviços básicos, a gestão das passagens fronteiriças e a reconstrução do território devastado pela guerra, segundo um comunicado de seu gabinete.
Enquanto o Hamas exerce controle total sobre Gaza desde 2007, a Autoridade Palestina (AP), coordenada pelo movimento Fatah, administra a Cisjordânia.
O Hamas, que venceu as últimas eleições legislativas palestinas em 2006, declarou no início da guerra que não pretende governar Gaza após o conflito. Fontes do grupo informaram à agência AFP que estão dispostas a entregar os assuntos civis de Gaza a uma entidade palestina.
Atualmente, Israel não possui uma posição definitiva sobre a governança pós-guerra, e rejeitam qualquer papel tanto do Hamas quanto da Autoridade Palestina.
Oficiais israelenses, incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, se opuseram repetidamente à ideia de que o Hamas ou a AP administrem o território palestino, classificando qualquer um dos cenários como "uma recompensa" pelo ataque de 7 de outubro de 2023. O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, afirmou na semana passada que a AP deveria ser a responsável pela administração do território costeiro.
No entanto, líderes palestinos de diferentes grupos sustentam há muito tempo que o futuro de Gaza deve ser decidido pelos próprios palestinos, rejeitando qualquer interferência externa.
O governo israelense se reuniu para votar o acordo relacionado a Gaza, após a aprovação prévia pelo gabinete de segurança nesta sexta.Netanyahu se reunirá ainda nesta sexta para decidir o veredito final sobre o acordo.
Caso aprovado, o cessar-fogo deve entrar em vigor no próximo domingo (19). De acordo com manifestações de seus ministros nos últimos dias, alguns ministros de extrema direita do governo Netanyahu devem rejeitar o acordo, mas sendo minoria, o cessar-fogo deve ser aprovado.
Se o acordo entrar em vigor, mediadores da trégua, como os Estados Unidos, Catar e Egito, supervisionarão o cessar-fogo por meio de um organismo sediado no Cairo, informou o primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdulrahman Al Thani.
ONGs estão prontas para levar ajuda humanitária a Gaza
O acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas gera a esperança de que a ajuda chegue aos palestinos em Gaza. No entanto, as organizações humanitárias temem o aparecimento de muitos obstáculos.
Centenas de caminhões aguardam do lado egípcio da fronteira com o território palestino e o Ministério das Relações Exteriores egípcio defendeu, na quinta-feira (16), uma distribuição rápida da ajuda humanitária.
O chefe de relações humanitárias das ONU, Tom Fletcher, qualificou esta trégua entre Israel e Hamas como um "momento de esperança e oportunidade", mas acrescentou que "não se deve criar ilusões sobre as dificuldades para fornecer ajuda aos sobreviventes" na Faixa de Gaza.
Neste território densamente povoado, onde quase 2,4 milhões de habitantes foram deslocados pelo menos uma vez pela guerra, os trabalhadores humanitários temem que a ajuda não seja suficiente para atender às necessidades da população.
"Tudo foi destruído, as crianças estão nas ruas, não podemos nos contentar com uma única prioridade", declarou Amande Bazerolle à AFP, coordenadora da organização Médicos sem Fronteiras (MSF), falando por telefone de Gaza.
"Todo mundo está esgotado, inclusive os trabalhadores humanitários locais, que trabalham sem descanso há 15 meses, quando não acabaram sendo deslocados", ressaltou, em Khan Yunis, Mohamed Jatib, diretor-adjunto de operações da organização Medical Aid for Palestine em Gaza.
Desde o anúncio de um acordo de cessar-fogo, na última quarta-feira, mais de 115 palestinos foram mortos por ataques israelenses, sendo 62 mulheres e crianças, segundo um porta-voz da defesa civil de Gaza.
Aumentar ajuda "não é tecnicamente realizável"
O veículo de comunicação egípcio Al-Qahera reportou, na quarta-feira (15), que há esforços em curso para reabrir a passagem de Rafah, na fronteira com o Egito, fechada em maio, quando as forças israelenses tomaram o controle do lado palestino.
Os Emirados Árabes Unidos já enviaram material médico para mais de 600 mil pessoas e o Programa Alimentar Mundial declarou, na quinta, que tem comida suficiente para um milhão de pessoas.
Do lado egípcio, "entre 700 e mil caminhões" esperam, declarou uma fonte da organização Crescente Vermelho egípcio. Mas, diante dos incessantes bombardeios israelenses, os trabalhadores humanitários são céticos.
Segundo Bazerolle, a promessa de 600 caminhões diários, ou seja, mais que o nível de antes da guerra, "não é realizável tecnicamente". "Desde que Rafah foi destruída, as infraestruturas não estão em condições de garantir o nível logístico", assinalou.
A ajuda que chega a Gaza costuma ser saqueada por grupos armados civis desesperados. "Os israelenses tiveram como alvo a polícia e, portanto, não há mais ninguém para proteger as cargas", ressaltou Bazerolle.
Por sua vez, o representante da OMS nos territórios palestinos, Rik Peeperkorn, afirmou, em Jerusalém, que é preciso que os profissionais de saúde de Gaza possam trabalhar e que é necessário contratar outros.
"Além disso, consideramos que 12 mil pacientes em estado crítico devem ser evacuados, restabelecendo o corredor médico tradicional para Israel e Cisjordânia, mas também para o Egito, a Jordânia e outras partes", ressaltou.
"Encerramos um capítulo de sofrimento"
A situação é ainda mais desastrosa no norte de Gaza, onde organizações humanitárias afirmam que Israel rejeitou quase todas as suas demandas de entrada e onde 10 mil pessoas seguem bloqueadas.
Segundo Bazerolle, o Médico Sem Fronteiras espera enviar equipes para o norte, "para ter acesso pelo menos aos pacientes onde eles se encontram". De acordo com a OMS, um único hospital no norte de Gaza funciona parcialmente, o de Al Awda, que foi alvo frequente de ataques.
Mas a maioria das centenas de milhares de deslocados do norte de Gaza esperam voltar, inclusive Mohamed Jatib, que antecipa um "deslocamento maciço da população" se a trégua for concretizada.
"Sabemos que o sofrimento vai continuar, encerramos um capítulo de sofrimento e abrimos outro, mas pelo menos há esperança de que cesse o banho de sangue", disse Jatib.
*Com AFP
Edição: Leandro Melito