Após uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ministros anunciaram nesta sexta-feira (24) medidas que devem fazer parte de um pacote de ações para o barateamento da comida no país. O pacote inclui mudanças no imposto de importação e no Plano Safra.
As alterações foram anunciadas pelos ministros da Casa Civil, Rui Costa (PT), e da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro (PSD). Os dois estiveram na reunião com Lula.
A reunião foi convocada após a comida subir 7,69% em 2024, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O grupo de produtos relacionados à alimentação foi o que mais subiu entre todos os pesquisados para aferição da inflação. A inflação em 2024 acumula alta de 4,83% – ficou, portanto, acima da meta de até 4,5%.
A inflação e, principalmente, o aumento do custo da comida apertam as contas das famílias brasileiras mais pobres. Isso acendeu um alerta de preocupação no governo. Lula chegou a cobrar ministros publicamente sobre o preço da comida na segunda-feira (20).
Nesta sexta-feira, Costa disse que o governo pretende alterar a alíquota de importação de alimentos para aumentar a oferta no país. Segundo Costa, a alíquota seria reduzida só para facilitar a importação daqueles produtos cujo preço interno é maior que o externo.
"Todo aquele produto que estiver com o preço interno maior do que o preço externo, nós vamos atuar de imediato, por exemplo, na alíquota de importação", afirmou a jornalistas.
O ministro ainda afirmou que estão descartadas pelo governo quaisquer medidas "heterodoxas", que podem ser vistas como uma intervenção do governo sobre o mercado. Entram nesta lista subsídios, tabelamento e até a criação de uma rede de distribuição de alimentos a estabelecimentos comerciais da periferia de centros urbanos.
"Nenhuma medida heterodoxa será adotada. Não terá congelamento nem tabelamento de preços. Não terá fiscal do Lula nos supermercados nem feiras. Não vai ter rede estatal para vender produtos", afirmou ele.
A criação da rede está prevista no Plano Nacional de Abastecimento Alimentar e era defendida pelo presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto (PT). Ele revelou o projeto em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato.
Plano Safra
Fávaro falou em redirecionar crédito do Plano Safra para apoiar principalmente a produção de comida. O plano anunciado neste ano prevê empréstimos subsidiados de R$ 475,5 bilhões, um recorde.
As mudanças no Plano Safra seriam uma determinação de Lula, disse Fávaro. "O presidente determinou que a gente comece a discutir medidas de estímulo, um novo Plano Safra que estimule mais os alimentos na mesa da população. Além disso, levar mais tecnologia para os pequenos produtores para que eles possam aumentar a produtividade e, com isso, conter a inflação dos alimentos", disse o ministro.
Costa confirmou o pedido do presidente. Disse que Lula quer estímulo focado principalmente na produção de itens da cesta básica.
"O presidente pediu aos ministros Carlos Fávaro e Paulo Teixeira [Ministério do Desenvolvimento Agrário] para que deem uma lente de aumento, um foco maior, uma atenção maior na definição de políticas agrícolas já existentes com recursos já existentes para o estímulo da produção. Para que esses estímulos sejam mais concentrados, tenham foco maior nos produtos que fazem parte da cesta básica", disse Costa.
O ministro, aliás, disse que espera que a próxima safra brasileira ajude a baratear a comida. "A safra em geral deve crescer 8,2%. O arroz, 13%, e o feijão, 5%. O ano de 2024 foi severo no clima e comprometeu parte da oferta de alimentos, o que não ocorrerá neste ano", disse.
Outras medidas
Costa também disse que o Ministério da Fazenda, comandado pelo ministro Fernando Haddad (PT), vai atuar para minimizar o custo de transação de compras realizadas com o vale-refeição. Segundo ele, isso deve ocorrer num prazo bem curto.
O ministro descartou a ideia de alterar o prazo de validade de produtos para barateá-los.
Repercussão
Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, disse que as mudanças no Plano Safra são positivas, mas não teriam efeito no curto prazo. "É uma concessão de crédito numa tentativa de aumento de produção. Isso não tem um efeito exatamente imediato. Mas, ao longo do ano, pode ter um efeito porque teríamos um volume maior de alimentos no mercado."
Pedro Faria, também economista, viu como positiva a movimentação do governo para reduzir o preço da comida. "O aumento é preocupante e é bom que o governo esteja mesmo preocupado com isso", afirmou.
Para ele, no entanto, ao invés de mexer no imposto de importação, deveria mexer no imposto de exportação. Antes de tentar trazer produtos de fora para o mercado interno, o governo deveria tentar evitar que alimentos produzidos no Brasil fossem para fora. Isso, porém, não está entre as medidas anunciadas pelo governo.
"O governo pode reduzir o imposto de importação, mas qual a garantia de que isso não vai virar margem para o vendedor do produto?", questionou. "Deveria taxar a exportação, não para inviabilizar o exportador, mas usar o recurso como incentivo para baixar alimentos."
O economista e engenheiro agrônomo José Giacomo Baccarin, secretário de Segurança Alimentar e Nutricional do governo federal entre 2003 e 2005, também defende a taxação da exportação. Ele, aliás, cita o exemplo da carne para justificar sua tese.
As carnes no Brasil subiram mais de 20% em 2024. Isso está ligado a um crescimento de cerca de 30% nas exportações desses produtos.
"A longo prazo, o foco na exportação não é ruim. Mas deve-se procurar conter os efeitos altistas de curto prazo, especialmente daqueles produtos que ocupam parte considerável dos gastos dos brasileiros", ponderou.
Diego Moreira, da coordenação nacional do setor de produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), disse que parte das medidas anunciadas pelo governo já havia sido sugerida pelo movimento. Ele pediu um esforço do governo para recuperação dos estoques públicos de alimentos da Conab.
"O Plano Safra deve ter um recurso direcionado que seria para a formação do estoque público, e isso eu acho que é extremamente possível", afirmou.
Edição: Nicolau Soares