O ex-deputado federal Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar em 1971, teve a certidão de óbito alterada pelo Cartório da Sé, em São Paulo (SP), que agora registra sua partida como um caso de morte "não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964". A mudança vem à tona no momento em que o longa-metragem Ainda estou aqui, que narra o drama da família de Paiva na época do assassinato, vive seu auge, com três indicações ao Oscar 2025.
A notícia foi veiculada inicialmente pela TV Globo. A alteração no documento resulta de uma decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em dezembro passado, quando o órgão deliberou que os cartórios deveriam reconhecer formalmente a ação do Estado como causadora da morte de pessoas que tombaram em virtude do autoritarismo do regime militar. A iniciativa foi proposta ao CNJ pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e pela Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
A primeira certidão de óbito de Rubens Paiva havia sido emitida em 1996 e identificava a causa mortis como "desaparecido em 1971". Esse tipo de registro se tornou comum após uma legislação da década de 1990 permitir que familiares de desaparecidos políticos solicitassem aos cartórios uma declaração de óbito dos parentes com esse teor, mas o processo de reconhecimento avançou até que se chegasse à decisão tomada pelo CNJ em 2024. A Comissão Nacional da Verdade, que operou entre 2011 e 2014, identificou 434 casos de mortes e desaparecimentos relacionados à violência praticada pelo regime dos generais, que perdurou no Brasil de 1964 até março de 1985, quando houve uma abertura política mais efetiva.
Rubens Paiva teve destacada atuação na resistência contra os governos militares. O engenheiro atuou no movimento estudantil desde a adolescência e manteve o perfil combativo ao longo dos anos em que lutou contra a ditadura. Entre outras coisas, elegeu-se deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1962 e atuou em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para apurar denúncias de financiamento ilegal de campanha cujo foco seria atingir o governo João Goulart, deposto pelos militares em 1964. Rubens Paiva foi cassado logo depois, em abril de 1964, quando o governo Castelo Branco editou o Ato Institucional nº 1, um dos instrumentos oficiais de repressão do regime.
Edição: Nicolau Soares