BALANÇO

João Paulo Rodrigues: 'Queremos o assentamento das 65 mil famílias do MST. Não aceitamos nada menor do que isso'

Dirigentes nacionais do Movimento Sem Terra participaram de coletiva de imprensa nesta sexta (20)

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
O dirigente nacional do MST, João Paulo Rodrigues - Foto: - Guilherme Santos/Sul21

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou uma coletiva nesta sexta-feira (20), para um balanço das ações do movimento em 2024 e uma análise da agenda agrária no governo federal. O dirigente nacional do movimento, João Paulo Rodrigues começou sua fala reafirmando o apoio e o compromisso do MST com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Mas apoiar não significa que não vamos ser críticos ao governo”, destacou. 

“Nosso governo tem cumprido tarefas importantes na política Internacional e na conjuntura brasileira. O MST tem um compromisso com a agenda de governabilidade do presidente Lula. O MST tem um compromisso político público e está junto em todas as principais batalhas, sempre com a autonomia política em relação ao governo, sempre com autonomia política, do ponto de vista da capacidade de fazer luta, mas ao mesmo tempo caminhando na mesma direção. No entanto, estar juntos, apoiar e ser parceiro do governo não impede que o MST faça um balanço crítico, inclusive porque é dever do nosso movimento”, iniciou o Rodrigues.  

Uma das principais críticas do MST ao governo Lula 3 é a paralisia da reforma agrária nos dois primeiros anos de gestão. “Desde o ano passado, nenhuma família foi para a terra, como diz o presidente Lula. Efetivamente, a gente não tem uma foto para mostrar isso ainda”, disse Ceres Hadich, da direção nacional do movimento. Embora o governo afirme que há famílias assentadas em 2024, o movimento afirma que se trata de processos de regularização fundiária, que difere dos processos de desapropriação para fins de reforma agrária.  

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) realiza um cadastramento das famílias acampadas no Brasil e deve divulgá-los nos próximos meses. Já o MST calcula que em territórios organizados pelo movimento existem 65 mil famílias acampadas, que vivem à margem das políticas públicas do governo e sob o risco iminente de despejo. “O MST não está brincando quando diz que nós queremos que as famílias acampadas sejam assentadas”, disse Rodrigues, que completou: “Queremos o assentamento das 65 mil famílias do MST. Nós não aceitamos nada menor do que isso”.  

O governo federal anunciou que vai desapropriar cinco áreas afetas ao MST, que somam cerca de 9 mil hectares e deve beneficiar em torno de 800 famílias. Hadich confirmou que os decretos já estão prontos para serem assinados e diz esperar que aconteça ainda antes do Natal. “Temos expectativa de que possa acontecer, inclusive antes do Natal, indicando assim um Natal com terra e um Natal sem fome para nós”, disse a dirigente que, entretanto, afirmou que se trata de algo simbólico, dada a dimensão do passivo. “É importante, é um marco simbólico. Porém é simbólico, quantitativamente simbólico, quando a gente olha para um universo de mais de 60 mil famílias”.  

Hadich defendeu ainda a recomposição orçamentária do Incra e a continuidade do programa Desenrola Rural, que já está na primeira fase de execução. Segundo ela, as famílias com dívidas em autarquias, como o Incra, podem procurar as agências da Caixa Econômica Federal até o dia 31 de dezembro para iniciar o processo de negociação.  

Hadich disse que, além do assentamento das famílias, o MST reivindica a retomada de investimentos no Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que vem sofrendo com a falta de recursos. “Infelizmente a gente está chegando nesse ano de 2024 com a conquista de um orçamento de quase 14 milhões, que vai ajudar a pagar as dívidas que a gente já tem relacionadas aos cursos que já estão em andamento, aqueles cursos que estão com dívidas, e dar início a não mais de 15 novos cursos para o ano de 2025”, afirmou. 

Política internacional e apoio à Venezuela 

Embora reconheça o papel do governo brasileiro na reorganização da agenda internacional, na denúncia do genocídio do povo palestino e no fortalecimento de organismos multilaterais como os Brics, o dirigente sem terra criticou a postura do governo brasileiro em relação à Venezuela. “Nós avaliamos que o presidente Lula precisa ajustar sua política internacional em relação à Venezuela. o MST reafirma o compromisso de parceria com a Venezuela. A Venezuela é uma democracia a Venezuela tem que ser respeitada e achamos que o presidente Lula erra a não ajudar a incorporar a Venezuela nos Brics”, afirmou. “Queremos que o presidente, no próximo período, reconheça a vitória de Nicolás Maduro, bem como reconheça a participação dos grupos de observação internacional”, disse Rodrigues.  

Ainda sobre as relações internacionais, o dirigente do MST criticou o acordo assinado entre o Mercosul e a União Europeia no começo de dezembro, durante a Cúpula de Líderes do Mercosul, em Montevideo, Uruguai. “Referente ao acordo Mercosul-União Europeia, o MST é contrário a esse acordo. É um acordo que vai trazer prejuízo significativo para agricultura familiar brasileira, que não traz nenhuma perspectiva de melhorar a vida da pequena agricultura, ao contrário. 

‘O Luiz, o Inácio e o Lula’ 

João Paulo Rodrigues apontou “pontos que precisam ser ajustados pelo governo”. O primeiro deles é a ausência de um projeto nacional de desenvolvimento. “Nós estamos sentindo falta de um projeto que organize a vida do governo e organize a vida da esquerda. Que nos aponte para onde o governo quer chegar em 2026 ou 2030”, destacou.  

Outro ponto crítico apontado por Rodrigues é a necessidade de construção de um núcleo político que possa tomar decisões e encaminhar articulações sem a necessidade de intervenção do presidente da República. “A impressão que nós temos três grandes núcleos dirigentes desse governo, o Luiz, o Inácio e o Lula, ou seja, não temos outras figuras”, criticou. “Agora, por exemplo, que o presidente teve que ser hospitalizado, ou quando Lula faz uma viagem, você não tem um núcleo com poder decisório sobre o conjunto do sistema da República”. 

Reforma ministerial  

Sem citar nomes, o dirigente do MST afirmou que será preciso um ajuste na equipe ministerial, com “possíveis substituições”. E mencionou falhas na estratégia de comunicação do governo.  

“Nós precisamos, no próximo período, ajustar a política de comunicação social do governo. Temos que reorganizar agenda, tanto do ponto de vista de qual é o papel da comunicação social nesse governo, da rede social, o tem que divulgar, o que não pode ser só propaganda, e que possa construir uma agenda política a partir da comunicação”, defendeu Rodrigues.  

“A gente precisa de agenda do presidente no meio do povo, nas periferias nos assentamentos e assim por diante. Não entenda como uma crítica, mas não é razoável que, em dois anos, o presidente Lula não tenha feito nenhuma agenda em um assentamento ou numa área de agricultura familiar para ele comunicar sobre a agenda da agricultura familiar. É muito melhor e se comunica melhor com ele estando numa cooperativa e uma área agrícola, do que no palácio fazendo anúncio crédito”, destacou. 

Rodrigues foi questionado se defende a saída do ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Paulo Teixeira, que tem sido objeto de críticas diretas de dirigentes do MST. “Decisão de troca de ministro é do presidente Lula, o MST não indicou e nem ‘desindica’. O que nós queremos é o assentamento das famílias acampadas, todas elas, e isso nós não vamos ceder um centímetro”, declarou.  

Já Ceres Hadich foi firme ao dizer que se não é para cumprir o papel para o qual foi concebido, não existe sentido na existência do MDA. “O Mistério do Desenvolvimento Agrário surge concretamente por uma demanda de ter uma pasta do governo para falar sobre a reforma agrária. Se não há um comprometimento, uma concepção, uma solidez, uma unidade de ação em relação à reforma agrária, não faz sentido de ter um ministério”, afirmou. “Um governo comprometido com a reforma agrária, recriando um ministério tão fundamental para nós, que é o MDA, precisa ter um MDA em função de construir, de fato, políticas públicas para o avanço e o desenvolvimento da reforma agrária”, destacou. 

2025 promete 

Coube a João Paulo Rodrigues fazer algumas projeções para 2025, ano em que disse esperar por uma visita do presidente Lula a algum acampamento do MST. Segundo o dirigente, o movimento prepara um calendário de lutas que deve começar no 8 de março, Dia Internacional da Mulher.   

“A partir do 8 de março, com as mobilizações das mulheres, e no abril, o MST reafirma que fará uma grande jornada de luta em defesa da nossa pauta. pauta grave. Seria muito importante que o ministro Paulo Teixeira e o presidente Lula, ainda este ano, se comprometam com essa agenda. Mas nós queremos ir para as ruas no ano que vem e fazer uma bonita mobilização em defesa da democratização das terras e em defesa das famílias sem terra”, disse Rodrigues.  

O dirigente anunciou que o MST realizará em maio, em São Paulo, a Feira Nacional da Reforma Agrária, evento que servirá também para que o movimento apresente ao governo e à sociedade a pauta ambiental que levará à COP30, conferência do clima que acontece no segundo semestre de 2025, em Belém (PA). “Temos um compromisso de construção da agenda em torno da pauta alimentar e a pauta ambiental. Nesse sentido, o MST quer participar de todas as agendas do país. Queremos apresentar um modelo de desenvolvimento do campo e apresentar nossa proposta para CP30 na Feira da Reforma Agrária, que deve acontecer na semana do 10 a 15 de maio, no Parque do da Água Branca, em São Paulo.  

Edição: Nathallia Fonseca