Após a condenação do ex-marido nesta quinta-feira (19) por drogá-la durante uma década para violentá-la, juntamente com dezenas de desconhecidos, Gisèle Pélicot foi aclamada como uma "heroína", em um julgamento histórico que comoveu o mundo.
Em meio a gritos de "Obrigado, Gisèle!", a mulher de 72 anos deixou a corte de Avignon, no sul da França, onde os 51 réus envolvidos no caso foram declarados culpados no mega-julgamento.
Conforme esperado, os juízes deram a pena máxima de 20 anos de prisão a Dominique Pelicot. Desde o início do julgamento, Pelicot declarou-se culpado, e confirmou ter administrado ansiolíticos às escondidas à sua então esposa entre 2011 e 2020, para fazê-la adormecer e violentá-la juntamente com indivíduos que contatava pela internet.
No entanto, o tribunal também condenou os outros 50 réus a penas entre três e 15 anos de prisão, inferiores às solicitadas pela promotoria, o que gerou mal-estar nos três filhos de Gisèle e Dominique Pelicot, e entre coletivos feministas.
"Os filhos estão decepcionados com as penas baixas", comentou um familiar, que pediu para não ser identificado, indicando que nenhum deles quis falar com o pai após a condenação.
"Respeito" a sentença, disse em breve declaração para a imprensa Gisèle, a quem o jornal The New York Times chamou de "heroína feminista" por recusar um julgamento a portas fechadas, ao qual tinha direito como vítima, para que "a vergonha mude de lado".
"Penso nas vítimas não reconhecidas, cujas histórias costumam permanecer na sombra. Quero que vocês saibam que compartilhamos o mesmo combate", acrescentou a mulher, desejando "um futuro no qual todos, mulheres e homens, possam viver em harmonia".
Decepção com penas
A expectativa era enorme dentro e fora do Palácio de Justiça de Avignon. Diante de jornalistas de 180 veículos credenciados - 86 deles, estrangeiros -, os cinco magistrados do tribunal anunciaram as sentenças, que começou pela do principal acusado.
"Senhor Pelicot (...), o declaramos culpado de estupro com agravantes", declarou Roger Arata, o presidente do tribunal. De pé, o condenado de 72 anos não esboçou reação.Apesar disso, o anúncio da pena rigorosa o afetou. Sua advogada, Béatrice Zavarro, não descartou recorrer da decisão.
A justiça também declarou culpados os outros 50 réus, apesar de cerca de 30 deles terem pedido a absolvição por considerarem que foram "manipulados" por Dominique Pelicot, a quem chamaram de "monstro", "lobo" e "ogro".
No entanto, as penas impostas foram recebidas com decepção nos arredores do tribunal, onde membros de coletivos feministas estavam reunidos. A promotoria tinha pedido de quatro a 18 anos de prisão. "Vergonha para a justiça!", gritaram alguns manifestantes, em meio a um forte dispositivo policial. "Meu cliente ficou livre e lhes agradece", respondeu um dos advogados de defesa.
Dos 32 réus que compareceram em liberdade, seis não irão diretamente para a prisão, apesar de terem sido condenados. Dentro da corte, o anúncio de penas inferiores às solicitadas também causou confusão entre os acusados. "Não vou aconselhá-lo a recorrer", disse um advogado de defesa a uma colega. Seus clientes foram condenados a menos de 10 anos.
"Coragem" em tornar caso aberto
A decisão foi acompanhada de perto na França e no exterior, onde este julgamento do crime e resiliência da vítima se tornaram um símbolo das agressões sexuais contra mulheres. Os acusados, com idades entre 27 e 74 anos, têm perfis sociais variados.
"Quanta dignidade. Obrigado, Gisèle Pelicot", escreveu na rede X (antigo Twitter) o chefe de governo espanhol, o socialista Pedro Sánchez, enquanto o chanceler alemão, Olaf Scholz, destacou a "coragem" de Pelicot.
A classe política francesa também elogiou de forma unânime a "coragem" da vítima, um "símbolo das mulheres invisíveis".
Incomum por sua duração, pelo número de acusados e, sobretudo, pela atrocidade dos fatos denunciados, este julgamento já fez história. Associações feministas esperam que o caso mude a atitude da sociedade e do tribunal diante de casos de estupros e outras agressões sexuais, denunciados anualmente por mais de 200 mil mulheres apenas na França.
"A luta contra a impunidade está longe de terminar", ressaltou a organização francesa Fondation des Femmes, para a qual este julgamento permitiu lançar luz sobre "a existência do estupro conjugal, a banalidade dos estupradores e o alcance da submissão química".
*Com AFP
Edição: Leandro Melito