“Mover a agricultura de volta para a sua matriz ecológica. Isso fará mais para proteger a humanidade da mudança climática e novos patógenos do que a alienação contínua da agricultura industrial”. A afirmação é do biólogo, epidemiologista e ex-consultor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Rob Wallace, no primeiro encontro do webnário internacional “Crise Estrutural do Capital e Emergência Climática na perspectiva da Determinação Socioambiental da Saúde” sinaliza para a urgência em rever a produção em larga escala de alimentos no mundo.
Wallace é um dos principais pesquisadores sobre a relação entre o agronegócio e o desenvolvimento de patógenos mortais aos seres humanos. Autor do livro “Pandemia e Agronegócio: Doenças Infecciosas, Capitalismo e Ciência”, o cientista, desde antes da pandemia de covid-19, alertava sobre a maneira como governos e organismos internacionais conduziam o combate aos novos vírus. Segundo ele, sem modificar o modo como vivemos e produzimos os alimentos, será impossível impedir o aparecimento de novas doenças infecciosas.
No primeiro seminário “Circuitos do capital produtores de danos ao ambiente e à saúde coletiva” do ciclo de debates realizado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Wallace apresentou a sua pesquisa que aponta como a diversificação das gripes suína e aviária está relacionada com a expansão das cadeias de commodities pecuárias e o quanto este modo de produção afeta o equilíbrio do ecossistema.
“A cascata industrial de reprodutores primários para multiplicadores com toda a criação conduzida no exterior remove a seleção natural como um serviço ecológico autocorretivo e gratuito”, explica o epidemiologista ao destacar que os abates de animais nas produções em larga escala impedem que ocorra o desenvolvimento de resistência imunológica natural das espécies como as aves, por exemplo.
Wallace sinaliza que muitos dos patógenos são resultados da maneira como as agroindústrias passaram a criar animais para consumo nos últimos quarenta anos. O cientista ressalta que o alto número de animais confinados, impedidos de dormir, comendo 24 horas por dia para engordar e ir para o abate cada vez mais rápido para aumentar os lucros das empresas, é um experimento permanente de mutações e contágios extremos.
Na avaliação do pesquisador, a saída para o mundo está no investimento em mudanças sistêmicas expansivas vinculadas à socioecologia, ou seja, a agroecologia: “Precisamos reintroduzir as agrobiodiversidades na fazenda e em paisagens alimentares regionais para produzir ‘portas’ imunológicas que impeçam que patógenos mais virulentos aumentem e se espalhem”.
Contudo, para Wallace, essa iniciativa só pode ter sucesso se estiver vinculada à autonomia do agricultor, resiliência socioeconômica da comunidade, economia circular local, fundos comunitários de terras, redes de fornecimento cooperativo, justiça alimentar, reparação e reversão de traumas raciais, de classe e gênero.
“A nova filosofia política deve ir além do capitalismo verde. Transformações revolucionárias são necessárias, ou esses esforços agroecológicos mesmo na escala dos sistemas alimentares regionais não farão mais do que remendar as violentas contradições da agricultura industrial”, ressalta o cientista estadunidense.
Contradições do desenvolvimento
O debate do webnário contou também com a participação de Virgínia Fontes, historiadora e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora do Grupo de Trabalho História e Marxismo-Anpuh e Eduardo Sá Barreto, professor da UFF, pesquisador do NIEP-Marx e editor da Revista Marx e o Marxismo.
A partir da ecologia marxista, Sá Barreto apresentou críticas aos modelos de desenvolvimento tradicional e verde e destacou que o modo de produção pautado no crescimento é incompatível com a necessidade atual do planeta. Para ele, “ou o capitalismo colapsa, ou ele é superado ativamente pela sociedade em luta pela sobrevivência”.
“Toda a vez que o movimento expansivo se contrai, toda a sociedade se mobiliza em prol da reativação do crescimento. Do ponto de vista ecológico estamos obrigados ao contrário. O que significa dizer que um recuo da escala do nosso impacto é inegociável diante desta exigência física e natural que não se negocia. São duas obrigações inconciliáveis”, afirma.
Já Fontes baseou-se nas análises e reflexões do filósofo húngaro István Mészáros que entende que o capital assume cada vez mais a forma de uma crise endêmica e permanente, com a perspectiva de uma crise estrutural. A historiadora abordou o conceito de “fuga para frente” para explicar que não há uma solução efetiva para a crise sem uma ruptura com o capitalismo.
"A 'fuga para frente' tornou-se cada vez mais difícil, os limites dela ficaram mais estreitos. Seja porque esbarra com os limites naturais do planeta, seja com os limites sócio-históricos da própria expansão do capital. Um exemplo atual é o problema do petróleo, fazemos carros elétricos e esquecemos que continuamos utilizando a mineração, precisando de bateria de lítio, a gente só muda o padrão”, explica.
O primeiro encontro do “Ciclo Crise Estrutural do Capital e Emergência Climática na perspectiva da Determinação Socioambiental da Saúde” promovido pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) ocorreu na última terça-feira (3) em formato presencial no Auditório da Escola Politécnica, no Campus Manguinhos da Fiocruz, no Rio de Janeiro. O evento teve transmissão e tradução ao vivo pelo Youtube em três idiomas - português, espanhol e inglês e pode ser acessado aqui.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Vivian Virissimo