O G20, um dos principais fóruns de diálogo econômico global, reúne as maiores economias do mundo, que juntas representam cerca de 85% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Nos últimos anos, o grupo tem se posicionado como um defensor das políticas públicas voltadas para o progresso social e a sustentabilidade ambiental. No entanto, quando se observa de perto as ações reais desses países, fica evidente uma grande contradição entre a retórica de solidariedade e as políticas adotadas, especialmente no que diz respeito à situação do povo palestino e às políticas climáticas dos países desenvolvidos.
Nos últimos encontros, o G20 tem enfatizado a importância da "agenda social" (uma derivação de termos como o Environmental, Social and Governance, ESG, e os 4 Ds da transição energética, que ganharam destaque nos últimos anos), promovendo uma visão de crescimento econômico inclusivo e sustentável. O conceito de um "G20 Social" sugere que o desenvolvimento não deve ser apenas uma questão de crescimento econômico, mas também de justiça social, equidade e respeito aos direitos humanos. Essa abordagem implica uma maior responsabilidade dos países desenvolvidos em relação aos mais pobres, com o compromisso de enfrentar as desigualdades econômicas e sociais dentro e entre as nações.
No entanto, quando se analisa as ações práticas do G20, surgem sérias questões sobre a verdadeira implementação desses princípios, especialmente no que diz respeito ao povo palestino e às ações climáticas dos países desenvolvidos.
A situação da Palestina é um dos maiores exemplos dessa contradição. Por um lado, a maioria dos países do G20, em especial os membros da União Europeia, Estados Unidos e outras potências ocidentais, se posicionam de maneira retórica como defensores da paz e dos direitos humanos no Oriente Médio. A linguagem usada nas declarações oficiais frequentemente expressa apoio à autodeterminação do povo palestino, ao direito à paz e à solução de dois Estados. Contudo, a realidade é bem diferente, pois as ações práticas desses mesmos países frequentemente contrariam esses princípios.
Os Estados Unidos, por exemplo, continuam a ser um dos principais aliados de Israel, fornecendo apoio militar e político incondicional, mesmo diante de violações flagrantes dos direitos humanos e das resoluções internacionais relacionadas ao conflito israelo-palestino. A União Europeia, apesar de adotar uma postura crítica em relação a algumas práticas israelenses, muitas vezes se vê impotente para adotar medidas concretas que pressionem Israel a cumprir as resoluções da ONU e as convenções internacionais. As políticas do G20 em relação à Palestina, portanto, muitas vezes ficam restritas a declarações vazias e a uma diplomacia que não resulta em mudanças reais no terreno.
O G20 também se apresenta como um fórum importante para o enfrentamento das crises climáticas. Os países desenvolvidos, que são historicamente os maiores emissores de gases de efeito estufa, têm se comprometido em acordos internacionais, como o Acordo de Paris, a reduzir suas emissões e apoiar financeiramente os países em desenvolvimento na adaptação às mudanças climáticas. No entanto, a realidade desses compromissos é marcada por falhas e pela falta de ações concretas que realmente conduzam a mudanças substanciais.
O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é claro ao apontar que, enquanto os países do G20 se comprometem publicamente a enfrentar a emergência climática, suas políticas internas e internacionais muitas vezes continuam favorecendo os interesses das grandes corporações, em detrimento de políticas públicas que promovam uma transição falaciosa para uma economia verde e sustentável. O financiamento climático, por exemplo, tem sido amplamente insuficiente, e os investimentos em energias renováveis e infraestrutura verde são frequentemente eclipsados por subsídios a combustíveis fósseis e indústrias poluentes e ainda expulsam as populações históricas para implementação de fazendas de energia solar ou eólica.
Além disso, os países desenvolvidos, em sua maioria, continuam a adotar medidas que beneficiam seus próprios interesses econômicos, como a exportação de tecnologias poluentes e a exploração de recursos naturais em países do Sul Global, exacerbando ainda mais as desigualdades ambientais. A crise climática, que afeta de maneira desproporcional as comunidades mais vulneráveis, incluindo aquelas em países da América Latina e da África, não recebe a atenção necessária, e as promessas de ajuda financeira internacional ficam frequentemente em segundo plano diante dos interesses geopolíticos e econômicos.
A ideia de um "G20 Social", que propõe um desenvolvimento inclusivo e sustentável, entra em choque com a realidade das políticas externas e internas adotadas por muitos países do grupo como o Brasil. A falta de ação concreta em relação à Palestina, especialmente na promoção de uma solução justa para o conflito, e as lacunas nas políticas climáticas evidenciam uma dissonância entre a retórica de solidariedade e os interesses pragmáticos de poderosos países ocidentais. As promessas de progresso social e sustentabilidade são, muitas vezes, usadas para mascarar políticas externas que mantêm o status quo de opressão e exploração, tanto no contexto geopolítico quanto ambiental.
Os compromissos globais assumidos no âmbito do G20 têm o potencial de promover mudanças significativas, mas isso exige uma transformação real nas políticas e nas prioridades dos países mais poderosos. Caso contrário, a agenda "social" do G20 continuará a ser apenas uma fachada para encobrir uma agenda que favorece os interesses dos países desenvolvidos em detrimento da justiça social e ambiental global.
A contradição entre a retórica e as ações do G20 não é apenas uma questão de moralidade ou ética, mas também de justiça e equidade global. A verdadeira construção de um mundo mais justo e sustentável exige que os países desenvolvidos cumpram suas responsabilidades, tanto no contexto do apoio ao povo palestino quanto no enfrentamento da crise climática. As soluções para esses problemas não serão alcançadas por meio de palavras vazias, mas por meio de ações concretas que priorizem a justiça social, o respeito aos direitos humanos e a preservação ambiental. Só assim o G20 poderá se tornar, de fato, um fórum de transformação global e não apenas mais uma plataforma de discursos desconectados da realidade.
A perspectiva anticapitalista e ecológica sobre a "falácia" e as "tragédias" enfrentadas por povos favelados, caiçaras, ribeirinhos, quilombolas e indígenas, quando confrontada com as políticas sociais do G20 e os documentos entregues ao presidente Lula, oferece uma análise crítica sobre as contradições do sistema capitalista e os impactos das soluções propostas por elites econômicas, políticas e governamentais. A crítica ecossocialista enfatiza a perpetuação das desigualdades estruturais e a negação das especificidades históricas e culturais desses povos, propondo uma análise que visa compreender a opressão e a marginalização sob uma perspectiva mais ampla.
A primeira crítica seria em relação à falácia que envolve o discurso de inclusão social promovido no âmbito do G20 Social promovido pelo governo brasileiro e sua relação com a realidade dos povos marginalizados. O G20, enquanto fórum global que reúne as economias mais influentes do mundo, tende a elaborar documentos e recomendações voltadas para uma agenda econômica global que, muitas vezes, ignora as realidades locais das populações mais vulneráveis. A proposta de uma “inclusão social” dentro de um sistema capitalista global pode ser vista como uma falácia, pois ela visa principalmente a integração de comunidades marginalizadas de maneira superficial, sem alterar as estruturas econômicas subjacentes que geram essas desigualdades.
A aplicação de políticas públicas baseadas em recomendações do G20 pode ser ineficaz ou até prejudicial, uma vez que o sistema capitalista, que coloca os interesses do mercado acima dos direitos humanos e das necessidades sociais, não resolve as causas profundas da pobreza e da exclusão. As promessas de melhoria das condições de vida de grupos como favelados, quilombolas, caiçaras e indígenas, se não forem acompanhadas de uma transformação nas estruturas de poder e de produção, são insuficientes para mudar a realidade dessas populações.
A análise ecossocialista também aponta a tragédia que essas comunidades enfrentam dentro de um sistema que as vê como “excedentes” ou "marginais" ao modelo de desenvolvimento econômico dominante. A concepção de "tragédia", dentro desse contexto, refere-se à contínua marginalização, exploração e desvalorização dessas culturas e formas de vida. Povos favelados, caiçaras, ribeirinhos, quilombolas e indígenas são frequentemente empurrados para as margens da sociedade, sem acesso pleno aos direitos básicos, como educação, saúde, e segurança.
Esses povos historicamente sofreram processos de expropriação e violência, muitas vezes como resultado de políticas coloniais, e sua resistência e sobrevivência ao longo dos séculos são vistas, na perspectiva marxista, como um reflexo das contradições do capitalismo. Para as comunidades indígenas e quilombolas, a luta pela terra é um exemplo claro dessa opressão, uma vez que o sistema capitalista busca explorar as riquezas naturais desses territórios, muitas vezes em detrimento de suas formas de vida.
A tragédia aqui não é apenas a pobreza material, mas também a destruição de modos de vida, culturas e identidades que são incompatíveis com o modelo de desenvolvimento econômico global. A perspectiva marxista vê isso como uma consequência do processo de acumulação de capital, que exige a subordinação das comunidades à lógica de mercado e da produção em larga escala.
No documento entregue ao presidente Lula, as propostas podem ter focado em melhorias materiais, como aumento de investimentos em infraestrutura, saúde e educação para esses povos, o que é certamente positivo em termos de direitos humanos e justiça social. No entanto, uma análise marxista questiona se essas medidas são suficientes para alterar as relações de poder fundamentais que sustentam a opressão dessas comunidades. A melhoria das condições de vida dentro do sistema capitalista, sem uma mudança profunda nas estruturas de classe, pode ser vista como uma forma de domesticar a luta e desviar a atenção das questões centrais da desigualdade social.
De acordo com a perspectiva marxista, a verdadeira transformação para essas populações só ocorrerá quando houver uma ruptura com o modelo de produção capitalista que explora suas terras, suas culturas e sua força de trabalho. O capitalismo, em sua essência, tende a reproduzir as desigualdades e a concentração de riqueza, enquanto essas comunidades, por sua vez, permanecem em uma posição subalterna, sendo meros objetos da exploração.
Uma proposta que poderia ser considerada mais consistente, do ponto de vista da ecologia social, seria a defesa da autonomia desses povos, por meio do fortalecimento de suas formas de organização social e de resistência. Para povos quilombolas, indígenas, caiçaras e ribeirinhos, a defesa da terra e do território é uma questão central. O marxismo, nesse sentido, poderia apoiar políticas de autossustentabilidade que não apenas promovam a inclusão, mas que permitam a esses povos se organizarem de maneira independente, longe da tutela do Estado ou das corporações transnacionais.
Isso incluiria o reconhecimento da importância do modelo de vida tradicional e da preservação ambiental, como uma forma de resistência ao modelo de desenvolvimento destrutivo imposto pelo capitalismo. O apoio a iniciativas de autonomia territorial e econômica, como as experiências de cooperativas ou mercados solidários, poderia ser uma alternativa válida dentro de uma perspectiva marxista de justiça social.
Em última análise, a análise sobre os documentos entregues ao presidente Lula e as políticas do G20 oferece uma visão crítica sobre as soluções propostas para as tragédias vividas por favelados, quilombolas, caiçaras, ribeirinhos e indígenas. Embora o reconhecimento das condições de desigualdade e a oferta de soluções paliativas sejam passos importantes, a perspectiva marxista alerta para a necessidade de uma mudança estrutural no sistema econômico e político. A verdadeira emancipação dessas populações só ocorrerá com a superação das relações de classe e com a criação de um modelo de sociedade que respeite e valorize suas especificidades culturais, históricas e territoriais.
*Pedro Graça Aranha é pesquisador da Fiocruz e militante da Coalizão pelo Clima do Rio de Janeiro.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Thalita Pires