O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está elaborando um "pacote antipobre" para garantir o cumprimento das metas previstas no novo arcabouço fiscal. É que denuncia o economista e assessor econômico da liderança do Psol na Câmara dos Deputados, David Deccache, em entrevista ao Brasil de Fato.
Deccache critica há mais de um ano a ideia do novo arcabouço fiscal, idealizada pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Segundo ele, sempre se soube que ela era incompatível com os pisos constitucionais da Saúde e Educação, por exemplo.
O governo, no entanto, sinalizou esta semana que o arcabouço fiscal é algo inegociável neste momento. Para mantê-lo, segundo Deccache, cabe ao Executivo atacar simultaneamente o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o seguro-desemprego, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), abono salarial, política de valorização do salário mínimo e "o que mais eles conseguirem no Congresso".
"O arcabouço fiscal é uma arma das classes dirigentes na guerra contra a classe trabalhadora. Deve ser destruído, caso contrário, estaremos diante de um longo processo de esmagamento e mercantilização de direitos", afirmou Deccache.
Confira a entrevista completa com Deccache sobre a proposta de revisão de gastos do governo.
As mesmas perguntas foram encaminhadas pelo BdF a Nathalie Beghin, economista e integrante do colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). A entrevista com Beghin está disponível aqui.
Brasil de Fato: Existe conciliação entre arcabouço fiscal e gastos obrigatórios do governo?
David Deccache: Não existe. Os novos tetos de gastos foram estruturados para tornar os pisos constitucionais da Saúde e Educação, bem como a indexação do BPC [Benefício de Prestação Continuada] e vinculação da Previdência ao salário mínimo, incompatíveis com o arcabouço fiscal. Portanto, o novo arcabouço fiscal foi pensado em duas fases: a primeira, já vigente, foi a criação dos tetos de gastos, que não comportam os mínimos para saúde, educação e o piso da Previdência e BPC atrelados ao salário mínimo. A segunda fase é o pacote antipobre anunciado por Haddad, que atacará todos esses direitos para fazê-los caber nos tetos de gastos.
Vale manter o arcabouço a qualquer custo?
O arcabouço fiscal é uma arma das classes dirigentes na guerra contra a classe trabalhadora. Deve ser destruído, caso contrário, estaremos diante de um longo processo de esmagamento e mercantilização de direitos.
Mirar nos gastos é mesmo a solução? Talvez seja a solução contábil para o arcabouço fiscal, mas é a melhor solução para o país?
A solução é expandir os gastos públicos fortemente, para atender o clamor do povo por dignidade e dar esperança de um futuro melhor para a população. O novo arcabouço faz o oposto: tira os poucos direitos que temos hoje e sustenta um processo de desmonte do que é público para tornar o que deveria ser direito mercadoria e lucro.
O que acha das medidas aventadas pelo governo?
Estou chamando de pacote antipobre. Ataques simultâneos a saúde, educação, BPC, seguro-desemprego, FGTS, abono salarial, política de valorização do salário mínimo e o que mais eles conseguirem no Congresso.
O que acha de o governo adiar a reforma do imposto de renda para revisar seus gastos?
Na verdade, essa narrativa de que o arcabouço fiscal poderia ser sustentado com base em aumento de receitas é matematicamente falsa. O arcabouço fiscal só se sustenta com cortes estruturais na Saúde e Educação, que possuem trajetórias de gastos incompatíveis com os novos tetos de gastos. Haddad já assumiu isso. O pacote antipobre era de conhecimento das lideranças, partidos e organizações políticas do campo progressista desde 2023, assim como o fato de que a votação das propostas ocorreria após a eleição municipal. Entretanto, fecharam um pacto de silêncio para que a militância e população não ficassem informadas da situação, impedindo uma reação organizada.
Edição: Thalita Pires