No Brasil, a realidade da proibição do aborto afeta a vida de diversas mulheres, especialmente as mais vulneráveis. Dados da Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) de 2021 indicam que mulheres negras têm 46% mais chances de recorrer ao aborto do que mulheres brancas. Ao completar 40 anos, uma em cada cinco mulheres negras já interrompeu uma gravidez, enquanto a proporção entre mulheres brancas é de uma para cada sete.
Jamile Godoy, integrante da equipe de Católicas pelo Direito de Decidir, explica que fazer o diálogo sobre essa temática, além de ser uma questão de saúde, também é uma questão social. Aproximadamente, quatro a cada cinco mulheres que precisaram de um aborto previsto em lei e viviam em municípios que não o ofertavam deixaram de acessar o serviço, também mostram as Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998, 2003 e 2008 e Pesquisas Nacionais de Saúde (PNS) de 2013 e 2019.
"Estamos falando sobre saúde, sobre o direito à moradia, acesso à renda, trabalho, informação, direito aos métodos preventivos – que também têm sido alvo dos ataques antidireitos reacionários. Há a negação da cartela da pílula anticoncepcional, DIU, ligação das trompas para as mulheres que solicitam [...] Quando falamos do direito ao aborto, também falamos sobre direito à maternidade livre, consentida e desejada, e não imposta, a partir de um ato de violência ou então sobre absurdo que estamos vivendo no Brasil", destaca Jolúzia Batista, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).
Luta pela descriminalização e legalização do aborto na América Latina e no Caribe
O dia 28 de setembro tornou-se um marco na luta pela descriminalização e legalização do aborto na América Latina e no Caribe, data que remonta a 1990, quando ocorreu o 5º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho, na Argentina. Desde então, representa resistência contra legislações restritivas que afetam os direitos reprodutivos das mulheres.
Atualmente, no Brasil, o debate é acirrado e impulsionado por movimentos feministas e de direitos humanos, que enfrentam o conservadorismo e o fundamentalismo religioso em busca de acesso seguro ao aborto para todas as mulheres. No país, o aborto é permitido em três casos: estupro, risco de vida para a mulher e anencefalia do feto. O procedimento também deve ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Thaísa Magalhães, da Secretaria das Mulheres da CUT-DF e membro da Frente Nacional pela Descriminalização das Mulheres e Legalização do Aborto, ressalta que o dia 28 é dedicado a romper a barreira do silêncio que impede o debate sobre o aborto.
"Toda a América Latina passou por uma colonização extremamente conservadora, com forte influência fundamentalista, que se perpetuou ao longo dos séculos. Países colonizados de forma ainda mais cruel que o Brasil, como México e Bolívia – ambos sob colonização espanhola – já avançaram muito mais no debate sobre o Estado laico e na criação de legislações que garantem o acesso à saúde para toda a população, especialmente para as mulheres. Mas, no Brasil, enfrentamos uma forte ofensiva", diz.
Diversos movimentos lutam para que toda mulher tenha o direito de interromper a gravidez de forma segura. Jamile Godoy, do Católicas pelo Direito de Decidir, ressalta que a descriminalização e a legalização do aborto devem ser compreendidas como medidas que retiram a conotação de punição e pecado do procedimento, criando uma regulamentação que ofereça segurança e garantias para as mulheres. Segundo ela, o fundamentalismo religioso é um dos grandes entraves para o avanço desse debate no Brasil.
Cenário Político
No dia 22 de setembro, completou um ano do voto favorável da ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Até o momento, a ação não avançou. Atualmente, a corte está sob presidência de Luís Roberto Barroso, ministro que interrompeu o julgamento em setembro do ano passado.
Já no Congresso Nacional, a pauta parece regredir, especialmente após o projeto de lei 1904, conhecido como PL da Gravidez Infantil ou PL do Estupro, que equipara o aborto após 22 semanas ao crime de homicídio. De autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o projeto provocou reações de diversos parlamentares, movimentos e coletivos que lutam pelo direito das mulheres. Uma onda de manifestações contra o projeto tomou conta do Brasil.
"Ocorreu muito recentemente o fato do PL 1904, que vem criminalizando a realidade das meninas, das mulheres e das pessoas que engravidam em decorrência do estupro, propondo que elas não tenham acesso a esse direito, garantido há mais de 80 anos, desde 1940. Então, quando observamos as dinâmicas de como as coisas têm sido encaminhadas na realidade do Brasil, enxergamos os vários desafios que ainda precisamos enfrentar", destaca Jamile.
Para Jolúzia Batista, durante o governo Bolsonaro, de linha de extrema direita, a agenda anti-direitos se estabeleceu. Ela lembra que, em um levantamento realizado no final de agosto pelo Cfemea, foram encontrados 100 novos projetos de lei sobre aborto.
"Esse conjunto de 100 PLs se dividem em cinco categorias que a gente precisa colocar um pouco de atenção. São projetos que vão na linha da restrição total, aumento da pena, desinformação e censura sobre a pauta do aborto e para impedimentos ao acesso", explica.
Para a especialista, o desafio, agora, é informar para a sociedade como resistir e reagir, uma vez que são projetos que, embora inconstitucionais, se enraizaram como possibilidade de luta nos estados, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais. "Eles chegam nesses espaços mesmo sabendo que não vão ser possíveis de aprovação, mas para criar confusão, causar e promover um debate local", diz Jolúzia.
:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato DF no seu Whatsapp ::
Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Flávia Quirino