O México adotou nesta quarta-feira (11) a eleição popular de todos os seus juízes, um caso único no mundo, após a aprovação de uma reforma apresentada pelo presidente de esquerda Andrés Manuel López Obrador
Depois de um dia caótico que incluiu a invasão do Senado por funcionários do Judiciário em greve e estudantes, a Câmara Alta aprovou a emenda constitucional com 86 votos a favor e 41 contra. "Está aprovado de modo geral o projeto de reforma do Poder Judiciário", anunciou o presidente do Senado, Gerardo Fernández Noroña, que, devido à pressão dos manifestantes, foi obrigado a transferir a sessão para a antiga sede da Câmara Alta.
Após a aprovação da iniciativa, os atuais ministros da Suprema Corte, juízes e magistrados poderão se candidatar em eleições em 2025 e 2027. Caso contrário, permaneceriam em seus cargos até que os eleitos assumam suas funções.
A eleição popular de cerca de 1,6 mil juízes e magistrados federais, além de membros do Supremo Tribunal, é um caso único. Embora nos Estados Unidos alguns estados elejam juízes locais, o caso mais semelhante ao do México é o da Bolívia, onde os ministros dos tribunais superiores são eleitos pelo voto popular. Juízes de primeira instância, no entanto, são nomeados por um conselho da Magistratura.
López Obrador propôs a reforma constitucional no contexto de um confronto com a Suprema Corte, que bloqueou reformas que ampliavam a participação do Estado no setor energético e colocavam a segurança pública sob controle militar.
O mandatário, que entregará o poder à sua correligionária Claudia Sheinbaum em 1º de outubro e conta com 70% de popularidade, acusa o tribunal máximo e alguns juízes de estarem a serviço das elites, da corrupção e do crime organizado.
"O que mais preocupa aqueles que são contra essa reforma é que perderão seus privilégios, porque o poder judiciário está a serviço de poderosos (...), do crime de colarinho branco", declarou López Obrador na terça-feira.
Por outro lado, seus adversários afirmam que Obrador pretende eliminar a independência do Judiciário para instaurar um regime autoritário e perpetuar seu partido no poder. "Não existe em outros países", afirma Margaret Satterthwaite, relatora especial das Nações Unidas para a independência de juízes e advogados e crítica do projeto.
Após aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado, a reforma deve ser corroborada por 17 das 32 assembleias estaduais, o que é considerado garantido devido ao amplo domínio da esquerda. Em seguida, a reforma será promulgada pela presidência.
O que propõe a reforma?
A parte central da reforma é a eleição popular de juízes e ministros, incluindo os do Supremo Tribunal. Serão eleitos em votações extraordinárias, em 2025 e 2027, entre candidatos apresentados pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Até agora, os membros do Supremo Tribunal eram nomeados pelo presidente e aprovados pelo Senado, enquanto o Conselho Federal da Magistratura nomeava juízes e desembargadores após exames e concursos de mérito.
A reforma reduz o número de ministros do Supremo Tribunal de onze para nove e seus mandatos de 15 para 12 anos. Também elimina a pensão vitalícia dos ministros e proíbe que seus salários sejam superiores ao do presidente, medida já existente mas não aplicada.
O projeto também elimina o Conselho Federal da Magistratura, que administra e fiscaliza a conduta dos funcionários judiciais, e determina a criação de um órgão administrativo e de um Tribunal Judicial Disciplinar.
Este tribunal avaliará e investigará o desempenho dos juízes, encaminhará possíveis casos criminais ao Ministério Público e solicitará julgamentos políticos dos magistrados à Câmara dos Deputados.
Outra medida incorporada pela reforma trata de “ juízes sem rosto” ou anônimos, para preservar a sua segurança e identidade nos processos contra o crime organizado. Esta figura é criticada pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos no México, por considerar que impede o reconhecimento da idoneidade e competência dos juízes.
A medida foi aplicada em outros países da região. Na Colômbia, foi adotada no final da década de 1980 para enfrentar uma escalada terrorista do tráfico de drogas, mas sua eficácia na proteção dos juízes e na garantia da justiça foi questionada.
Em El Salvador, como parte do estado de exceção promovido pelo presidente Nayib Bukele, as autoridades foram autorizadas a prender milhares de supostos membros de gangues sem mandado, que em seguida são apresentados a juízes sem rosto que podem prorrogar a prisão preventiva. Ativistas dos direitos humanos denunciam que muitos inocentes morreram.
*Com AFP
Edição: Leandro Melito