Especulação?

Bancos 'bombam' expectativa por alta de juros, aumentam pressão sobre BC e renovam suspeitas sobre Boletim Focus

Previsão para taxa de juros ao final de 2024 saltou de 10,5% para 11,25% em uma semana, maior alta no governo Lula

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Previsões de bancos de investimentos podem ter sido moldadas por interesses deles em alta do juros
Previsões de bancos de investimentos podem ter sido moldadas por interesses deles em alta do juros - Agência Brasil

A previsão dos bancos para a taxa básica de juros da economia nacional, a chamada Selic, registrada nesta semana no Boletim Focus, renovou suspeitas de que a pesquisa realizada pelo do Banco Central (BC) está sendo alvo de manipulação de agentes financeiros. A expectativa para a taxa ao final de 2024, que há uma semana era de 10,5% ao ano, passou para 11,25% poucos dias depois.

O BC divulga o Boletim Focus semanalmente, sempre baseado em previsões de bancos que se cadastraram em seu sistema enviam para a instituição. Desde o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2023, em nenhum momento a previsão deles subiu de forma tão abrupta de uma semana para outra como agora.

A expectativa dos bancos sobre a Selic é usada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC para definir a própria taxa. No próximo dia 17, o Copom volta a reunir-se para discutir o patamar da taxa básica de juros – atualmente em 10,5% ao ano. Com a previsão dos bancos medidas pelo Boletim Focus apontando para alta dos juros, cresce a pressão para que o BC eleve a Selic visando, no jargão econômico, "ancorar expectativas".

Baseado no Boletim Focus, o Copom decidiu manter a taxa Selic em 10,5% ao ano em junho, quando economistas e governo cobravam uma redução. Naquela época, o programa ICL Notícias realizou um estudo sobre o Focus indicando a manipulação das previsões sobre inflação justamente para coibir um eventual corte da Selic.

Segundo Eduardo Moreira, ex-banqueiro e apresentador do ICL, alguns bancos teriam elevado exageradamente suas previsões sobre inflação para influenciar na expectativa média, que acaba sendo registrada no Boletim Focus. Com uma previsão média de inflação crescente, foi reduzido o espaço para corte da Selic.

O estudo divulgado no programa levou o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) a pedir que o tribunal apure a influência de bancos na Selic. O BC foi procurado algumas vezes pelo Brasil de Fato para comentar o caso. Nunca se pronunciou.

Nova manipulação?

Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), disse que a forte elevação da previsão da Selic para 2024 pode, sim, ser resultado de atos de agentes de mercado interessados para "manipular" as expectativas do Boletim Focus e ganhar com isso.

"Eu acho que pode ter, sim, uma especulação, por alguns bancos de investimento. Empresas que atuam no mercado de capitais com a Selic mais alta e com a variação da taxa de juros em si. Então, eventualmente pode estar sendo manipulado."

Weiss não vê dados que justifiquem uma mudança tão brusca nas expectativas para a Selic deste ano, que termina em menos de quatro meses. A própria previsão do mercado para a inflação em 2024 mudou pouco nas últimas quatro semanas, passando de 4,20% para 4,30% – percentual ainda dentro da meta estabelecida para o índice.

Ele lembrou que a seca no Brasil até pode criar uma pressão inflacionária no país daqui até o final do ano. Ainda assim, a aposta numa alta de 0,75 ponto da Selic até o final do ano parece ser algo exagerado para Weiss.

Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, também vê risco de manipulação do Boletim Focus por agentes de mercado. Por isso, ele é crítico quanto ao uso do boletim em discussões sobre os rumos da economia.

"O Focus é basicamente uma relação de alguns gestores do mercado financeiro com o monopólio da opinião dos dados que alimentam os modelos do BC", reclamou. "A expectativa de outros setores da economia, como a indústria e o comércio, são negligenciadas. Se fossem considerados, poderiam mostrar uma expectativa diferente."

Para Cantelmo, o mercado financeiro tem interesse na alta da taxa Selic. É ela quem garante que investidores terão alto retorno só aplicando seu dinheiro em títulos.

"Esse setor está muito confortável com a taxa Selic em alta e tem no Boletim Focus uma forma de pressão para garantir isso", resumiu.

Controvérsias

O economista Miguel de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), não vê a mudança de expectativas sobre a Selic como algo orquestrado.

Ele, aliás, vê no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima do esperado para o segundo trimestre como uma justificativa para uma elevação da taxa. "A economia está crescendo muito, mais do que imaginado. Se a demanda [por produtos] está aumentando e a oferta não é suficiente, vai pressionar os preços. Para segurar os preços, o BC tem que subir os juros", defendeu ele. "É basicamente este cenário."

Pedro Faria, também economista, não concorda com essa visão de que o crescimento do PIB precisa levar a um aumento de juros. Ele admite, porém, que alguns economistas tendem a fazer essa relação. Por isso, eles elevaram – sem má intenção – sua expectativa para a Selic.

Erros seguidos

Faria, aliás, já reclamou de previsões de bancos por excesso de pessimismo com a economia nacional e com as ações do governo Lula. Segundo ele, existe uma predisposição ideológica contra governos de esquerda por parte dos economistas ligados a bancos.

"O mercado depende muito da confiança no governo [para fazer suas previsões] e subestima as estatísticas", criticou Faria. "Eles acham que um governo de esquerda vai errar em suas decisões e isso vai impactar na economia. Não é bem assim que as coisas funcionam."

O governo estima que a economia brasileira cresça entre 2,7% e 2,8% neste ano. Economistas ligados a bancos preveem que a economia brasileira crescerá 2,68%, segundo o Boletim Focus.

Há uma semana, eles estimavam crescimento de 2,46%. No início do ano, esses profissionais previam alta de 1,5% em 2024.

Edição: Nicolau Soares