A Justiça Federal determinou na quinta-feira (5) que três grupos de imigrantes retidos no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, não poderão ser repatriados de forma automática.
Cerca de 70 pessoas com origem principalmente no Nepal e no Vietnã foram contempladas com habeas corpus e não poderão ser repatriados, de acordo com as decisões tomadas por juízes na 1ª e na 6ª Vara Federal de Guarulhos.
O caso foi analisado pela justiça a pedido da Defensoria Pública da União (DPU), depois das novas medidas implementadas na semana passada pelo governo federal que endurecem os requisitos para entrar no país, como a exigência de visto de quem pretende viajar para um terceiro país em voo com conexão no Brasil.
As novas regras também obrigam os solicitantes de refúgio a demonstrar que sofrem perseguição política ou violência em seus países de origem, o que não acontecia até agora. "O Brasil virou rota de organizações criminosas, que fazem contrabando de imigrantes e tráfico de pessoas", afirma um relatório do Ministério da Justiça enviado à AFP na última semana.
Segundo a Polícia Federal, houve um aumento "exponencial" de viajantes que fazem escala no aeroporto de Guarulhos e, ao invés de seguirem viagem até o destino final de seus bilhetes, ficam para tentar entrar em território brasileiro. Com isso, centenas de pessoas permanecem aglomeradas na área de trânsito, o que suscitou denúncias de violações dos direitos humanos, especialmente após a morte de um migrante, que passou mal no recinto.
Em 13 de agosto, a morte de um homem ganês que tinha chegado cinco dias antes e fazia parte de um grupo de migrantes retido no aeroporto fez soar o alarme. "Passou mal, sendo atendido por uma equipe médica e encaminhado ao hospital público, onde veio a óbito em decorrência de infarto", confirmou à AFP a Polícia Federal, sem dar mais detalhes.
Segundo dados oficiais, em 2013 houve 69 pedidos de refúgio neste aeroporto, número que se multiplicou por mais de 60 em uma década, chegando a 4.239 em 2023. De janeiro a julho deste ano, foram 5.428 solicitações, em média 25 por dia. Mais de 650 viajantes chegaram a ficar retidos ao mesmo tempo nas dependências do aeroporto em agosto. Na última terça-feira (3), o número de migrantes retidos no aeroporto era de 120.
Os migrantes são originários, sobretudo, de países asiáticos e têm bilhetes com destino final em outros países sul-americanos.
Guarulhos, que atende a cidade de São Paulo, é um dos aeroportos com maior tráfego de passageiros da América Latina, com 35 milhões ao ano. Os migrantes que chegam ali devem permanecer em uma área restrita enquanto tramitam seus pedidos de refúgio, o que pode demorar semanas.
Violações de direitos humanos
A DPU constatou no local "reiteradas situações de violação dos direitos humanos". Há crianças e adolescentes desacompanhados e mulheres em condições de extrema vulnerabilidade. Os migrantes estão "dormindo no chão" e há "uma crescente demanda por atendimento médico, com muitas pessoas apresentando sintomas gripais", informou a Defensoria em um comunicado. A entidade também descreveu péssimas condições de alimentação e higiene.
A Organização de Resgate de Refugiados do Afeganistão (ARRO), com sede em São Paulo, criticou, por sua vez, que a resposta do Brasil ao que descreveu como uma "tragédia humanitária" seja restringir a entrada dos imigrantes sem visto. "O tráfico (de pessoas) deve ser combatido e as pessoas em situação de vulnerabilidade precisam de acolhimento, não de criminalização", declarou.
Segundo as autoridades brasileiras, os migrantes "são orientados pelas organizações criminosas a recorrer ao pedido de refúgio para ingressar em território brasileiro", sabendo que não ficarão ali. Em seguida, seguem por terra para a Colômbia, onde cruzam a fronteira com o Panamá através da selva de Darién.
"O objetivo desses viajantes não é solicitar a proteção do Estado brasileiro por meio do instituto do refúgio, mas, sim, seguir rota rumo ao norte das Américas, principalmente para os Estados Unidos e/ou Canadá", afirma o ministério.
*Com AFP
Edição: Leandro Melito