Um velho problema voltou a assombrar o debate público sobre as contas nacionais. A desoneração da folha de pagamento de prefeituras e empresas de 17 setores, que já foi alvo de intenso debate político desde o ano passado, agora virou motivo de impasse para o Orçamento de 2025.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encaminhou na semana passada ao Congresso Nacional seu Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025. Nele, previu a arrecadação de R$ 46,7 bilhões cuja autorização ainda depende do Congresso Nacional. O valor corresponde, segundo o Executivo, a uma compensação pela perda de receitas que o desconto de tributos sobre a folha causa à União.
A compensação seria feita basicamente por meio de um acordo já em discussão no Parlamento, mas também com aumento de dois tributos: a Contribuição Social Sobre o Lucro (CSLL) e Imposto de Renda (IR) sobre os Juros sobre o Capital Próprio (JCP).
Um projeto para elevação dos dois tributos foi enviado junto com o PLOA ao Congresso. De acordo com ele, a alíquota da CSLL seria majorada em até 2 pontos percentuais. Em relação aos Juros sobre o Capital Próprio, o projeto prevê o aumento do IR dos atuais 15% para 20%.
Os JCP são usados por companhias para remunerar seus acionistas. O mecanismo permite que a distribuição de lucros seja enquadrada como despesa.
Segundo o governo, o ajuste nos tributos geraria uma arrecadação extra de R$ 20,9 bilhões. Os outros R$ 25,8 bilhões necessários para compensar a desoneração viriam das medidas de um acordo sobre o tema com o Congresso, mediado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pendente de solução há meses.
Vai e vem
A desoneração da folha de pagamento foi proposta pelo governo da então presidente Dilma Rousseff (PT) para estimular a geração de emprego. Ela foi aprovada pelo Congresso e começou a valer em 2012.
Por conta dela, empresários de 17 setores econômicos deixaram de pagar a contribuição de 20% sobre a folha de cada funcionário. O tributo foi substituído por uma contribuição de 1% a 4,5% sobre o faturamento das empresas.
A desoneração também reduziu de 20% para 8% a alíquota previdenciária da folha de pagamento dos municípios pequenos.
A mudança deveria ser temporária. No entanto, acabou sendo prorrogada sempre que estava para ter sua validade expirada. A última vez que isso ocorreu foi no ano passado, após muito vai e vem.
O Congresso aprovou uma lei prorrogando a desoneração até 2027. O governo Lula, porém, vetou a prorrogação. O veto, contudo, foi derrubado e a lei entrou em vigor.
O governo, então, enviou ao Congresso uma Medida Provisória (MP) para adaptar a desoneração às necessidades de arrecadação do governo. O Congresso rejeitou o texto.
Após a nova derrota, o governo foi ao STF em busca de uma solução. Argumentou que, ao prorrogar a desoneração, o Congresso criou um benefício fiscal não previsto no Orçamento deste ano. Por isso, o Executivo não tem como custeá-lo.
O ministro Cristiano Zanin, então, estabeleceu um prazo para que governo e Congresso cheguem a um acordo sobre como compensar a desoneração da folha. O prazo para isso termina neste mês.
Enquanto esse acordo não chega, a desoneração segue válida. Empresas e pequenos municípios seguem com o desconto na contribuição previdenciária. As contas do governo, entretanto, se deterioram por isso.
Recuperação fiscal
O governo Lula, desde 2023, trabalha numa agenda de revisão de benefícios tributários com baixo retorno ao país. O fim da desoneração da folha entrou passou a ser defendido pelo governo justamente por não gerar os empregos prometidos.
Segundo um estudo do Ministério da Fazenda, a desoneração é cara, ineficiente e acaba revertida em transferência de renda para os mais ricos – no caso, empresários.
Ainda assim, acabar com ela não é consenso. Compensar o custo que ela tem para a arrecadação federal, tampouco.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse ainda na semana passada que considera improvável que o governo aprove projetos para elevação dos tributos conforme o previsto na PLOA de 2025.
Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, por sua vez, esclareceu na terça-feira (3), em entrevista à CNN Brasil, que o governo não prevê aumento de impostos, mas sim compensações.
"O que propomos é um equilíbrio. Não estamos querendo aumentar a carga geral de impostos no país. Acontece que, quando você tem um benefício para um determinado setor, é preciso majorar um pouco a alíquota para outros, para que não precisemos aumentar a carga para toda sociedade."
A ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), disse nesta quarta-feira (4), em entrevista à rádio CBN, que a compensação é necessária para manter o compromisso de igualar receitas e despesas – o déficit zero.
O mesmo foi dito pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), à Globonews. Ele ainda criticou benefícios fiscais concedidos por meio de "jabutis" – emendas a projetos que sequer tratam de questões tributárias.
"Foram quase 2% do PIB [Produto Interno Bruto] a menos de arrecadação em virtude desses campeões nacionais, que se apropriaram do Orçamento. Ninguém sabia quem eram os beneficiados. Abrimos a caixa preta. Passamos a combater os chamados jabutis", disse.
Para Haddad, ajustes na cobrança de impostos elevaram a arrecadação federal, mas não prejudicaram o crescimento da economia. No segundo trimestre deste ano, o PIB do país cresceu 1,4% – o maior resultado trimestral desde 2020.
Edição: Nicolau Soares