Técnico ou político?

Campos Neto reforça atuação política e age para ampliar autonomia do BC antes de deixar cargo

Em fim de mandato, presidente do BC recebe homenagens de bolsonaristas e é apontado como eventual ministro de Tarcísio

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

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Robeto Campos Neto deixará comando do Banco Central ao final do ano - Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, deve ser o principal alvo de um protesto que servidores subordinados a ele realizarão nesta quarta-feira (14), às 9h, no Senado Federal. No mesmo dia, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa deve avaliar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa ampliar a autonomia do BC, ideia que conta com apoio declarado de Campos Neto.

Indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Campos Neto foi o primeiro chefe do BC a comandar o órgão já sob regime de autonomia, concedida por lei sancionada por Bolsonaro em 2021. Por conta dessa lei, ele também foi o primeiro presidente do BC a manter seu cargo mesmo depois de uma mudança de governo.

Campos Neto tem mandato à frente do BC até o final deste ano, e o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não pode tirá-lo de lá antes disso. Faltando pouco mais quatro meses para ele perder o posto mais alto do órgão que controla a taxa básica de juros, entre outras coisas, ele reforçou sua agenda política em busca de uma marca e de um futuro.

Independência

A PEC defendida por Campos Neto é a 65/2023. Ela pretende transformar o BC numa empresa pública, assim como os Correios e a Petrobras. Desta forma, o órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro nacional se tornaria independente do Orçamento Federal.

O texto é de autoria do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO). Para ele, a independência financeira do BC daria ao órgão condições de investir em serviços e funcionários para melhor cumprir as funções que já cumpre.

Fábio Faiad, presidente Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), aponta que há outros interesses que não o bom funcionamento do órgão envolvidos na PEC. Segundo ele, a proposta libera que funcionários do BC possam receber salários acima do teto do funcionalismo público – hoje, R$ 44.008,52. A independência financeira tornaria mais fácil para o BC contratar funcionários sem concurso público para cargos estratégicos.

"Isso só aumenta o risco da porta giratória de BC", disse Faiad, em entrevista ao Brasil de Fato.

A porta giratória acontece quando um profissional sai de um banco para trabalhar no BC por um tempo e, depois, volta para o mesmo banco ou para o mercado financeiro em geral levando consigo informações que interessam ao mercado.

O movimento é conhecido por economistas que acompanham o BC. Campos Neto fez carreira em bancos antes de ser indicado por Bolsonaro.

Para ele, a PEC em discussão no Senado seria mais um "passo natural" do BC em seu caminho de "modernização". Neste ano, segundo artigo publicado pela cientista política Ana Junqueira, na Carta Capital, Campos Neto já se reuniu cinco vezes com senadores cuja atuação é relevante para a discussão da PEC: Rodrigo Pacheco, presidente do Senado; Ciro Nogueira (PP/PI), crítico do governo Lula; líder do PL no Senado; e Davi Alcolumbre (União/AP), duas vezes, presidente da CCJ.

Procurado pelo Brasil de Fato para comentar a atuação de Campos Neto em favor da PEC 65, o BC não respondeu à reportagem.

Homenagens

O BC também não se pronunciou sobre a relação que Campos Neto mantém com políticos aliados de Bolsonaro e sobre suas pretensões após o fim do seu mandato.

Enquanto defendia a aprovação da PEC 65 em entrevistas, o presidente do BC também participava de um jantar oferecido pelo governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos) – ex-ministro de Bolsonaro – em sua homenagem. No evento, estiveram presentes banqueiros, empresários e ex-ministros.

Depois do jantar, a Folha de S.Paulo chegou a noticiar que Campos Neto aceitaria ser ministro da Fazenda caso Tarcísio fosse eleito presidente.

Lula criticou a postura de Campos Neto. Disse que o jantar reforça que Campos Neto tem lado e ainda afirmou que ele age para prejudicar o país mantendo a taxa básica de juros, a chamada Selic, num patamar acima do necessário, freando assim a economia.

Dias depois, Campos Neto recebeu uma medalha do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), outro aliado de Bolsonaro.

Em audiência na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (13), Campos Neto disse que as homenagens são um reconhecimento ao trabalho do BC. "O reconhecimento não é para mim, é para o quadro do Banco Central. Toda vez que eu for ser chamado para ter algum reconhecimento nesse sentido, eu vou aceitar", disse.

Na mesma audiência, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) criticou outros comportamentos reprováveis de Campos Neto. "Não existe um presidente do BC desenvolver um agregador de pesquisas eleitorais para Bolsonaro; não existe um presidente do BC votar com a camisa da seleção brasileira", disse ele, que é vice-líder do governo.

Críticas

A presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), usou suas redes sociais para reclamar de Campos Neto e sua posição em favor da PEC 65.

Faiad, do Sinal, afirmou que, além de defender a PEC, Campos Neto não manteve comportamento adequado para um presidente do BC. "Presidente do BC deve sempre manter uma postura republicana. Em muitos momentos, Campos Neto passou do limite", afirmou.

Já Pedro Faria, economista, diz que o pior de Campos Neto não é sua postura, mas suas decisões à frente do BC. Ele lembrou que, durante a pandemia, o BC demorou a cortar os juros. Depois, cortou demais, causando a alta da inflação e a volta dos juros altos.

Já no governo Lula, o Comitê de Política Monetária (Copom), presidido por Campos Neto, demorou a cortar juros, atrapalhando a economia.

"O principal problema do campos neto é que ele fez uma péssima gestão", resumiu Faria.

Edição: Thalita Pires